Capítulo 3 - Meu nome é Daniela


Será possível que esses malditos pensem?

Sempre achei que não passavam de malucos com capacidade de andar e matar, nada mais. Como pode esse que me persegue estar me procurando nas cabines sanitárias, de porta em porta? Até parece aquelas cenas de filmes de terror que eu tanto gostava de assistir nas horas vagas, onde o protagonista se esconde no banheiro e o assassino o procura. E o clichê era ele sempre estar escondido atrás da última porta. Nem cheguei a contar em qual delas me escondi, se na penúltima ou primeira, mas sei que ele se aproxima, devagar. Preciso fazer alguma coisa pra sair daqui, e rápido.

Assim que o ouço abrir a porta da cabine vizinha, sinto o sangue percorrer minhas veias tão descontroladamente que até parece milk-shake em um liquidificador. Com as mãos suando sob a luva gasta, engulo seco e me preparo pro ataque. Pelo menos não será tão fácil me pegar, seu filho da mãe.

Olho pra baixo e vejo os pés do maldito parado em frente a porta. Perco o controle sobre minha respiração e a adrenalina faz meu corpo tremer, desenfreado.

Assim que a porta é aberta lentamente, nem espero acontecer. A puxo num repente e me jogo sobre meu perseguidor, que cai no chão úmido do banheiro. Assim que me preparo pra fugir, a voz do indivíduo me pega de surpresa:

- Espera. Não!

Uma individua.

Deve ter minha idade, por volta dos 22 anos. Seus cabelos escuros presos num rabo-de-cavalo mostram-se um tanto molhados por uma poça no chão. Ela veste um uniforme esportivo branco e vermelho, com o número 6 impresso no peito. Sua aparência é mais viva do que qualquer não infectado que eu encontrei até hoje. Nem parece assustada. Pelo contrário, sinto um dos cantos de sua boca repuxar, num sorriso debochado. E eu devo estar com cara de bobo, pois não entendo bulhufas do que está acontecendo.

- Quem é você? De onde você surgiu? – pergunto, ainda em estado de choque.

- Se primeiro você puder sair de cima de mim e me deixar respirar, tirando sua perna de cima do meu estômago, eu até te respondo. – diz ela, parecendo se divertir com a situação.

Assim que saio de cima dela e encosto na porta do banheiro onde me escondi, a observo se levantar calmamente, ajeitar a franja por trás da orelha direita e se virar, agachando-se próxima a pia, e pegando uma barra de ferro que deve ter caído de sua mão quando me joguei como um louco. Voltando-se a mim, sorri:

- Meu nome é Daniela. Qual o seu?

- Tiago.

- Prazer em conhecê-lo, Tiago. Não diria que foi um prazer o tombo que acabei de levar, mas enfim... – diz ela, rindo.

Eu não expresso um mínimo esboço de estar achando graça da situação.

- Você é bem sério, né?

- Ultimamente não tenho tido muitos motivos pra dar risada. Exceto quando passo perto de ser devorado vivo. Mas isso não deve ser novidade pra você. Você ainda não me disse de onde surgiu? E o zumbi que estava atrás de mim?

- Zumbi? Ah, assim que você entrou como uma bala pelo corredor e veio direto pro banheiro, eu estava do outro lado e o vi correndo atrás de você. Fiquei escondida e, assim que ele passou, arrebentei sua cabeça com essa barra de ferro aqui. Ela tem sido como a espada do He-Man pra mim. Então, vim até o banheiro te procurar.

- E por que não me chamou?

- Ah, eu queria te dar um susto.

É. Parece que, de todos os sobreviventes, fui encontrar a mais doida.

- Você parece gostar de brincar, hein?

- Ah, eu gosto de...

- Deixa eu te falar uma coisa, garota. Se você não percebeu, a cidade virou um inferno. As pessoas estão matando umas às outras. Todos os lugares que a gente passa tem pedaços de corpos, sangue e órgãos pelo chão. Minha família está morta. Sua família está morta. Todo mundo morreu. Nossas vidas se tornaram uma constante fuga pra nos mantermos vivos. Pra não morrermos nas mãos dessas aberrações que vagam por aí. E você, assim que avista alguém fugir desesperado, chega de fininho pra dar... Um susto? Você por acaso tem se alimentado de quê? De cocô? Ou deve ter bosta na cabeça, só pode. Eu podia ter te matado.

- Bom, Tiago... Por acaso, eu notei que tudo mudou. Notei que meus amigos morreram, notei que todo mundo morreu. Mas não é por isso que minha vontade de viver e meu alto astral vão morrer também. Mas, se você prefere transformar seu coração num pedaço de pedra escura e fria, achando que não há outras sensações além desse medo contínuo que tomou conta de nossas vidas, e não ver graça em pequenas coisas como nosso encontro, então acho que você está sobrevivendo em vão. Faça um favor pra si mesmo. Assim que avistar um bando deles, corre pro abraço.

Simplesmente, depois de despejar esse sermão sobre mim, a fulaninha se vira e sai do banheiro. Eu me mantenho atônito, imóvel. Quem ela pensa que é pra me dizer essas coisas? Quem ela pensa que é pra me dizer como eu devo ou não viver? A discussão ainda não acabou.

Vejo se nada meu caiu no chão do banheiro e a sigo. No corredor escuro, estreito e longo não consigo enxergá-la. Na hora do aperto, eu acho que ganho visão infravermelha, pois quando corri agora pouco, fugindo, não foi tão difícil chegar ao outro lado sem bater na parede.

Chegando à saída do corredor, me deparo com a quadra, vazia, exceto pelas manchas de sangue no assoalho e grades e bolsas espalhadas nas arquibancadas. Mais adiante vejo a garota entrar por outro corredor, por onde os jogadores costumavam entrar quando jogavam. Já estive algumas vezes no Ginásio, mas nunca entrei ali. Deve ser onde ficam os vestiários.

Sigo-a determinado, porém me distraio com a imensidão de bolsas, mochilas e sacolas espalhadas pelo estádio. Será que encontro algo que possa me servir, como alimentação, equipamento ou alguma arma? Acho meio improvável encontrar armas num lugar desses. Quem levaria uma arma pra um jogo? É, agora eu viajei legal.

Entrando pelo corredor, mais bem iluminado que o anterior, mas nem assim claro o suficiente, chego até uma porta aberta, de onde a luz é bem mais forte. Adentrando o recinto, me vejo num vestiário, onde há um amontoado de colchonetes num canto, com pacotes de biscoito, pão de forma, cereais, cascas de frutas e garrafas de vidro e plástico, tudo vazio, jogados em outro canto. As portas dos armários se encontram todas abertas, e em seus interiores há roupas, calçados, produtos de higiene pessoal, toalhas, celulares, notas, moedas. Muita tralha.

- Pode ficar aqui se quiser. – diz Daniela, saindo de trás de um dos armários, me surpreendendo.

- Assustar as pessoas é um hobby seu?

Ela sorri. Nem tento retribuir. Não a conheço. Com um gesto, ela me faz sentar em um banco azul que estava logo atrás de mim e me joga uma garrafa de água mineral. Enquanto abro a garrafa, ela se joga nos colchonetes e suspira:

- Bom, quando tudo começou, eu estava jogando Handebol com meu time. Viemos de Araraquara um dia antes pra jogar contra sua cidade. Perdemos na primeira noite, mas prometemos virar o placar no dia seguinte. O jogo estava indo bem. Empatado, mas bem. Foi quando um alvoroço chamou minha atenção na arquibancada. Logo, se tornou maior e alguém começou a gritar. Os times continuaram jogando, mas eu achei estranho, pois pensei ter visto sangue espirrar na roupa de um garoto. Algumas pessoas começaram a se afastar do que parecia ser uma briga. Foi quando a bola pegou em cheio minha cabeça.

Uma breve pausa.

- Só me lembro de alguém me carregando e chorando. - continua. - Gritos animalescos nos seguiam, mas eu não conseguia nem ficar em pé sozinha. Bolas de handebol são bem duras. Nunca deixe uma bater no meio da sua cara. Quando acordei, estava caída aqui onde estou agora, com uns três colchonetes sobre mim, me escondendo. Levantei ainda com dor de cabeça, e assustada, óbvio. Onde estavam minhas amigas? Levantei-me e fui até a quadra. Quando vi todo aquele sangue manchando o chão, percebi que coisa boa não devia ter acontecido. Era muito sangue mesmo. Eu limpei uma boa parte. Peguei essa barra de ferro caída logo na saída do corredor e fui até o portão. Ninguém. Nem uma alma viva. A rua estava deserta e tudo estava um caos, com objetos caídos na calçada e lixo espalhado por toda parte. Quando me virei pra voltar ao vestiário e usar o celular, um homem alto e gordo pulou sobre mim, me prensando contra a grade.

Por um breve momento, vejo o medo em seus olhos.

- Só tive tempo de bloquear sua boca com a barra, empurrando-o pra longe de mim. Parecia que ele queria me morder. Fazia um barulho assustador, e seus olhos pareciam vazios, mas ao mesmo tempo, tomados de ódio. Escorreguei por baixo de suas pernas e levantei rápido atrás dele. Assim que ele se virou, muito rápido, coloquei toda minha força no braço e desci a barra no meio de sua cara. O sangue jorrou e até o fez recuar um pouco, mas ele investiu contra mim. Consegui desviar e comecei a correr. O bicho era gordo, mas era rápido, valha-me Deus! Subi as escadas e me escondi atrás do pilar. Assim que ele surgiu, bati com o ferro em sua testa, o que o fez desequilibrar e rolar escada abaixo. Ele ficou um tempo imóvel, o que me fez pensar que estivesse morto. Quando vi que ainda se mexia, atordoado, não pensei duas vezes. Desci a escadaria num ímpeto e comecei a aplicar-lhe golpes com o ferro na cabeça. Devo ter batido durante mais de um minuto porque, quando parei, era impossível reconhecê-lo. Não sei como tive coragem de fazer aquilo, mas notei desde o primeiro momento que ele não era humano. Não digo que ele era um ET, mas sim que ele parecia um monstro que só queria me matar. E se tem algo que prezo demais é minha vida. Corri de volta ao vestiário e tranquei a porta. Peguei meu celular e liguei pra casa, mas ninguém atendia. Liguei pra uma amiga em minha cidade e ela me disse, chorando, que não sabia o que estava acontecendo. A última coisa que ela disse era pra eu não voltar pra casa. Tentei ligar de novo, mas ela tinha desligado o celular.

Seus olhos brilham enquanto fala de sua amiga.

- Logo depois, a bateria do meu celular acabou, e eu vi que tinha esquecido o recarregador no ônibus. - respira fundo e prossegue. - Voltei ao portão e fui até o ônibus, cautelosamente. A porta estava aberta e entrei, com a barra de ferro pronta pra bater no primeiro que aparecesse. Fui até minha poltrona e vi que realmente tinha esquecido minha bagagem de mão sob o banco. A peguei e quando me preparava pra sair, ouvi um barulho. Vinha do banheiro nos fundos. Virando-me rápido, percebi que a porta estava entreaberta, e alguém me olhava dali. Perguntei quem era e só ouvi um choro baixo. Aproximei-me com cuidado e a porta se abriu, onde pude ver uma de minhas parceiras do time, Tânia, escondida, em prantos mudos. Estava descabelada e com a roupa suja de sangue. Ela falava algo que não pude compreender, enquanto chorava descontroladamente. Cheguei perto e a ajudei a se levantar. Fui atrás dela, enquanto ela caminhava muito lentamente. Parecia em estado de choque, coitada. Quando chegamos à porta, nosso técnico Rhobson apareceu. Um suspiro de alívio abandonou minha boca, seguido de um sorriso. Era tão bom ver um adulto por perto. Quando ele pulou sobre Tânia e arrancou seu nariz com uma mordida, enquanto ela gritava e se debatia eu cai no assoalho do ônibus e vi o sangue jorrar e escorrer pela boca dele.

Outra pausa. Daniela passou por poucas e boas.

- Em questão de segundos, Tânia começou a se debater e se contorcer, gritando muito alto. Levantei-me num pulo e nem sequer peguei minha bolsa que caíra sob um dos bancos. Corri até o fundo do ônibus, abri uma das janelas e, quando ia me jogar, o técnico, que parecia mais um monstro, agarrou minha perna, me deixando pendurada de ponta cabeça pelo lado de fora do veículo. Me debati um pouco e consegui fazê-lo me soltar, com um chute na cabeça. Caí de costas no chão. Doeu, viu? Corri olhando pra trás, bati o portão e vim direto pra cá, onde tranquei a porta de novo e permaneci aqui um bom tempo. Dias se passaram. Não me pergunte há quanto tempo estou aqui porque não sei precisamente, mas no mínimo, umas três semanas.

Percebi que ela passou por perigos tanto quanto eu. Pobre garota! Só não entendia como ela conseguia manter o bom humor e esse sorriso enigmático na face depois de tudo isso.

- E como você tem se mantido aqui?

- Eu me alimento graças à comida que meu time trouxe, com comida que estava nas arquibancadas e com os carrinhos de lanche na frente do Ginásio. Água tem de sobra aqui.

- Você não saiu daqui esse tempo todo?

- Lembra que não sou daqui? Eu não saberia como voltar se me perdesse.

- Mas ficar aqui não dá. Uma hora a comida e a água vão acabar. E você se verá obrigada a procurar outro abrigo.

- E o que você tem feito pra sobreviver? – pergunta, com um tom sarcástico na voz.

- Isso não é importante agora. O importante é pegar o que for de ajuda e ir pra longe daqui.

- E quem disse que eu vou com você?

- Ninguém. Eu disse que EU vou pegar o que for de ajuda e EU vou pra longe. Você faz o que bem entender.

Dizendo isso, saio do vestiário e vou até a arquibancada onde começo a revirar as bolsas. Daniela vem atrás de mim e me observa atentamente.

- O que está procurando?

- Sei lá! Algo que tenha alguma utilidade.

- Hum... Olha o que encontrei. - diz ela, abaixando-se e pegando algo no chão. - Um prego. Ele tem a utilidade de pregar coisas.

Olho-a com cara de poucos amigos, enquanto ela ri da própria piada.

- Eu ainda te farei rir. – aposta ela.

- Acho meio improvável, já que você não vai comigo.

- E quem disse que não?

 
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20 mordidas:

Dolfe disse...

ta ficando melhor a cada cap, porem vc devia colocar mais paragrafos no texto, da pra si perde na parte que a daniela conta como ela ta sobrevivendo

21 de agosto de 2008 às 03:57
Tiago Toy disse...

Essa é a maneira como eu narro. Uso parágrafos em poucas ocasiões. Mas tentarei dar uma facilitada.

Quanto a parte que ela conta como ela sobreviveu, trata-se de uma fala apenas. Não achei necessário criar mais de uma fala.

Mas obrigado pela opinião.
Só assim posso melhorar.

21 de agosto de 2008 às 07:47
Unknown disse...

Perfeito, tou me apegando a história.

25 de agosto de 2008 às 04:43
Thaís V. Manfrini disse...

Também estou me apegando.

28 de agosto de 2008 às 17:03
Taty disse...

ta muito da hora...
principalmente pq ela joga handebol...e tbém to me apegando a história.

30 de agosto de 2008 às 04:07
olívio disse...

parece meio tarde OIEUAOU, mas
uma opinião do tiago no meio da fala da Daniela ajudaria separar

26 de novembro de 2008 às 14:49
Unknown disse...

Comecei ler agorinha to gostano muito.

30 de dezembro de 2008 às 02:32
Tayná Tavares disse...

HUAHAUHA
Virei fã da Daniella. Um momento, no caso, pessoa, é sempre bem-vindo.
AHHHH preciso saber o que vai acontecer, vou lá ler o resto o/

17 de fevereiro de 2009 às 04:11
signatus disse...

Passei a ler a partir de agora, também estou escrevendo uma história sobre zumbis e tal mundo. To gostando da sua narrativa e tenho algumas criticas. Podemos manter contatos. Abraço

7 de julho de 2009 às 09:13
ErickTavarez disse...

Oh yeah!
Tô começando a ler.

12 de julho de 2009 às 16:31
Brunno Fagundes disse...

HouHou!!!
Gostei da loquinha aí!!!
HAUshuahsuhaUshuahSUa
Cara sua historia tá d+

Tipo eu li esses primeiros capítulos ontem, como eu não gosto de ler e não comentar tô postando o que achei

Muito boa parabéns e vou continuar lendo aqui

26 de agosto de 2009 às 13:19
Anônimo disse...

Show kara ta ficando melhor a cada capitulo tah de parabéns ;D

30 de março de 2010 às 05:45
thito disse...

excelente.
estou adorando a historia.
amigo vc escreve bem,seria um bom roteirista.

2 de maio de 2010 às 03:34
Ton Araguahy disse...

sinceramente pensei que a historia ia ser um lixo, mas gostei e to gostando muito vou continuar lendo xD parabens

5 de agosto de 2010 às 00:31
Anônimo disse...

Parabéns cara! Também pensei que ia ser um lixo e me surpreendi pra caralho! Muito boa a história! Personagens cativantes. Daria um filme do caralho! Ou até mesmo um game. Pena que no Brasil isso é difícil.

30 de agosto de 2010 às 10:07
LucaZ disse...

Loucura e insanidade essa mina e fera *-*

4 de outubro de 2010 às 14:28
Anônimo disse...

"Assim que avistar um bando deles, corre pro abraço."
Se joooooooga!! Pergunto-me se ela não tem um pensamento suicida sobre isso.

"Acho meio improvável encontrar armas num lugar desses. Quem levaria uma arma pra um jogo?"
Você... Já foi numa final de Atlético e Cruzeiro aqui no Mineirão em MG?!

Gostei do detalhamento. Detalhes são óóóótemos para se entrar na história!

23 de outubro de 2010 às 16:28
Tiago Toy disse...

Sejam bem-vindos novos infectados, e aos antigos, espero que continuem sobrevivendo.

Grande abraço!

6 de julho de 2012 às 23:35
Carolina Mello disse...

Seria Maggie e Glenn? haha
Tô adorando! :)

25 de novembro de 2012 às 20:53
Priscila Monteiro disse...

Muito bom, "tô" gostando muitooo!

9 de janeiro de 2013 às 18:41

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