Capítulo 19 - Ninguém entra, ninguém sai


Yulia parece acuada ao lado da cama enquanto presta atenção ao que o anônimo fala em russo. Por um breve momento, abaixa a cabeça e prende a franja que teima-lhe em cair no rosto por trás da orelha. Após sussurrar algo com sua voz delicada, e visivelmente trêmula, senta na cama ainda mirando o chão. Então, ele se aproxima.

O barulho que surge em meio à escuridão do corredor me faz virar bruscamente e acidentalmente bater com o cotovelo na porta. Droga, Thor!

Ligeiro, corro de volta a meu quarto e encosto a porta rapidamente, bem a tempo de evitar que me descubram. Olhando pela fresta mínima, vejo Yulia procurando pelo causador do barulho. Eu. Após breves segundos certificando-se de que não há ninguém, chama Thor e apaga a luz. Só consigo ver sua silhueta envolta pelas sombras. Logo em seguida, outro vulto, maior, passa e some sem emitir uma palavra. Até penso em abrir a porta e segui-lo, mas a ruiva permanece parada no mesmo lugar até que ouço uma porta se fechar adiante. Afagando a cabeça do cão, solta-o e volta ao quarto. A luz permanece apagada.

Aguardo um tempo até abrir a porta e olhar pelo corredor. Thor vem até mim, abanando o rabo. Apoio-me no joelho direito enquanto o acaricio.

- Quem era aquele, Thor? – fixo o olhar no fim do corredor, esperando que o cão me responda.

Uma luz escapa pela fresta do quarto ao lado. Após alguns passos abafados, Pablo irrompe pela porta, sonolento.

- Thor?

O cachorro sai rapidamente de perto de mim e vai direto ao seu dono.

- O que você tá fazendo aí, amigão? – e pega pelo couro peludo do animal, carinhosamente. Em seguida, me percebe – Tiago? Ainda acordado? Aconteceu alguma coisa?

Levanto-me e penso em contar sobre o ocorrido, mas de que adiantaria?

- Não, cara. Não aconteceu nada.

- Ok, então. Boa noite. – e volta ao quarto, sem esperar minha resposta.

Permaneço imóvel durante alguns segundos, pensando. O que mais me intriga é por que o tal poliglota escondeu do resto do grupo sobre dominar o idioma da ruiva. Pior. Por que ela parecia tão assustada? Estaria ele a ameaçando?

Jogando-me de volta na cama, fico pensando por alguns segundos, esperando o sono voltar. Com o acontecido, despertei totalmente. Não consigo ouvir mais nada vindo do corredor. O único som são os lamentos angustiantes dos infectados do lado de fora do hotel. Será que essas pragas não sentem sono? Só fazem correr, matar e gemer?

De bruços, deito o queixo sobre o antebraço enquanto miro a cicatriz em minha mão. Está quase imperceptível, e não devido a pouca luminosidade, mas sim ao tempo. Pode passar despercebida tranquilamente. Nunca vão desconfiar que se trata de uma mordida. Uma mordida causada por um desses filhos da mãe. O que não entendo é porque não se manifestou em mim. Por que não me tornei um deles? Será que varia de pessoa pra pessoa? Faz tanto tempo. E aquele ataque quando conheci Oliver? Será reação à mordida? Ou algo que me aplicaram na LAQUARTZ? Me tornarei uma dessas coisas? Será esse meu fim?

Passando o olhar da cicatriz até o banheiro, fixo os olhos na mão imóvel caída no chão. É possível ver apenas até o pulso, mas já decorei a cara do infeliz, estirado no piso frio. Triste maneira de morrer. Aliás, existe alguma feliz?

Quando a vista embaça, percebo a sonolência aproximando-se devagar. Nem luto, apenas fecho as pálpebras e me entrego.


♦ ♦ ♦



Num sobressalto, acordo assustado. Suando.

No banheiro, a mão defunta permanece no mesmo lugar que deixei assim que a inconsciência me dominou. Nenhum som além de um lamento ou outro invadindo pela janela e a chuva batendo contra a vidraça. Há quanto tempo não acordo tranquilamente? Sempre com o coração acelerado, as mãos trêmulas, o suor escorrendo. Se pudesse me assistir, poderia apostar que durmo com um olho aberto.

O relógio no criado-mudo marca oito e doze da manhã.

Num bocejo, espreguiço-me, ouvindo alguns ossos estalarem. Os músculos do braço direito doem um bocado. Sinto que o fizeram de saco de pancadas enquanto dormia. Uma mancha arroxeada desponta em minha pele branca. Qualquer mancha, mesmo que mínima, salta aos olhos devido minha falta de bronzeado. Fecho o punho e vejo uma veia do pulso saltar, latejante. Rastejante. Com olhos ainda sonolentos, mantenho-os fixos na pele, subindo e descendo. Que droga é essa?

Quando a pulsação acalma, levanto-me devagar e... Sinto falta de algo. Mas o quê?

A seringa.

Reviro o travesseiro e os lençóis. Nada. Debaixo da cama. Onde está? Enxergo uma mancha na seda fina. Um círculo roxo. No bolso talvez. Não. Será que deixei cair no corredor durante o acontecido na madrugada? Possivelmente.

Abrindo a porta rapidamente, vasculho o carpete, fazendo o caminho da noite passada. Nenhum rastro. Alguém deve ter encontrado e jogado fora, chutado, sei lá. Depois me preocupo com isso.

Dirijo-me ao banheiro. A luz forte permaneceu acesa durante toda a noite. Bom, não é hora de me preocupar com racionamento. Que continue acesa.

Passando próximo ao corpo do defunto inerte no piso branco e manchado pelo rubro de seu sangue, abro o Box e ligo o chuveiro. Dirijo-me até a pia e apoio-me, fitando-me no espelho. As olheiras invadiram meus olhos, cansados. Como estou precisando de umas férias desse inferno. Em momentos seguros – e raros – como esse, sinto o cansaço e a dor. Como só faço correr e correr, o sangue se mantém quente e nem dá licença pra dor ser percebida.

Olhando fundo em meus olhos, tento encontrar aquele olhar que tive um dia. Diziam que era olhar de moleque, curioso, brincalhão, mesmo que eu tentasse passar uma imagem mais forte. Hoje aprendi a ter esse olhar. Maduro. Cansado. Receoso. Decidido.

Quando me perco no espelho embaçado pelo vapor, entro debaixo do chuveiro e sinto uma energia negra esvaindo pelo ralo. Sujeira, suor, sangue. Abandonam-me enquanto assisto a água quente lavar minha alma. Como eu precisava de uma ducha!

Me ensaboo cobrindo praticamente todo o corpo pela espuma, de olhos fechados, sentindo cada gota deslizando. Que delícia, cara!

Bem mais de meia hora depois desligo o chuveiro e me enxugo. Enrolado pela toalha branca – e muito confortável, por sinal – volto ao quarto distraído, cantando One Last Breath, do Creed, e qual não é minha surpresa ao me deparar com o garoto sentado no peitoril da janela, fitando algum ponto ao longe. Percebendo minha presença, sorri.

- Bom dia!

Respondo um tanto incomodado. Odeio ter a privacidade invadida, ainda mais trajando apenas uma toalha.

- Dormiu bem, cara?

- Como uma pedra. E você?

- Ah, sei lá. – diz ele, fazendo uma careta – Nada como nossa cama, né?

- Não sei o que é ter uma cama só minha há um bom tempo. – e vou até o closet. Talvez haja alguma roupa que me sirva.

- Faz muito tempo que você está passando por isso? – pergunta, curioso.

- Uhum. – resmungo. Meu humor pela manhã nunca foi dos melhores.

- Você e a Dani, né?

- Uhum. – continuo procurando por algo que me agrade, mas está difícil.

- Hum... Acho que ela não gosta de mim. Ela me olha de um jeito. – comenta com ar divertido.

- Você não tá preocupado com seus pais, garoto?

Oliver se cala por um momento. Continuo em minha busca por roupas.

- Claro que estou. – começa ele, falando baixo – Mas o que vou fazer? Dar uma de super-homem e ir salvá-los? Minha casa é bem segura, eles devem estar a salvo lá.

- Você ainda não viu do que essas coisas são capazes. Se você pensa que um muro alto com cerca elétrica vai segurá-los, pense de novo. Se uma base militar não deu conta, acha que uma simples segurança domiciliar vai?
- Mas minha casa é bem segura mesmo, cara. Não me gabando, mas tenho uma vida bem confortável. Meus pais eram cientistas em uma indústria farmacêutica e ganhavam muito bem. Tenho tudo que quero.

- Tinha.

Percebendo meu tom seco, cala-se novamente. Encontro uma camisa branca e uma calça jeans passadas e perfumadas. Que falta senti disso. Jogo-as sobre a cama. Só falta a cueca. A minha já deu o que tinha que dar.

- Então... Por que a sua amiga é tão ranzinza? Parece que tem raiva de mim. E olha que acabou de me conhecer.

- A Dani passou por muita coisa que você nem faz idéia. Quando a conheci nem acreditei que ainda existiam pessoas tão vivas e alegres. Nosso encontro foi praticamente uma piada. Consegui mostrar-lhe que a sobrevivência não teria sentido trancafiada em um banheiro de ginásio. Mostrou-se muito espontânea e corajosa. Embora eu não goste de admitir, ela me ajudou em vários momentos. Não sei se teria chegado tão longe sem ela. Mas não lhe conte isso.

- Por quê?

- Porque estou falando.

- Ok. – sinto-o envergonhado.

- Ela é legal, é só ter calma.

- É, vamos ver.

Finalmente encontro uma cueca que me sirva. Branca. Forte candidata a ficar cinza se a correria recomeçar. Virando-me, encontro Oliver me encarando. Ergo uma sobrancelha.

- O quê?

Parece acanhado. Como se quisesse dizer algo. Balanço a cabeça como quem diz “Vai falar ou não?”.

- Tô pensando... E aquilo que aconteceu na lavanderia? O que era?

Agora as duas se erguem. Me pegou.

- Não sei, cara. Quando era mais novo, tinha uma grave doença. Uma asma, forte pra cacete. Tomava medicamentos e até pensei que tivesse ido embora. Talvez seja ela voltando.

- Aquilo não parecia asma, Tiago.

Realmente. Não parecia sequer uma falta de ar.

- Cara, olha. Não quero que ninguém saiba sobre aquilo. Por favor...

- Relaxa, Ti. Ninguém vai saber. Não prometi?

Faço uma careta, consentindo. Espero que não abra mesmo a boca.

- Roupas legais. – refere-se às que encontrei – Não vai vesti-las?

- Vou, assim que você sair daqui.

- Tem vergonha? – parece estar se divertindo com a situação. Nunca gostei de ficar nu perto de outras pessoas, desde que me conheço por gente. Poderia ter nascido de roupa.

- Tenho. Se você me der licença... – e aponto a saída.

Pulando do peitoril, Oliver caminha sorrindo até a porta, e quando a abre, Daniela está com a mão erguida, preparada para bater. Assim que vê Oliver, não esconde a expressão perplexa. Pulando o olhar para mim, apenas de toalha, encara-me por um segundo e vira a cara, deixando escapar um quase inaudível “Desculpe”, e se vai.

- Não disse?

Oliver nem me espera responder, fechando a porta logo atrás.

Sozinho de novo, certifico-me de trancar a porta, e tiro a toalha, mas não sem antes fechar a janela, por onde a fria chuva invade em alguns momentos. Que chuva mais chata. Acho que está assim desde ontem.

Visto a roupa e encontro uma par de tênis pretos embaixo da cama King Size. Ao lado há uma grande mala. Abrindo-a, bato logo os olhos em um par de meias brancas, vestindo-as. Um documento verde chama minha atenção em um dos bolsos. O RG do hóspede. Edmar Peixoto. Baiano. Vinte e quatro anos. Quase minha idade. O que estaria fazendo em São Paulo? Passeio? Trabalho? Como se me interessasse. O que me interessa é que continue estirado naquele banheiro, com as balas bem fundo no crânio. Melhor sorte na próxima vida, parceiro.

Necessitando de um tempo pra mim mesmo, fico no quarto por quase uma hora. É hora de resgatar a vaidade. E a higiene. Corto e limpo as unhas, arrumo o cabelo no meu antigo e costumeiro topete, faço a barba. Serviço completo.

Saio para o corredor e fecho a porta. Silêncio. Até demais. Onde estão todos? Dormindo, talvez?

Vago até o fim do mesmo e olho para os lados. Vazio. Não me assusta ficar sozinho, embora sinta um leve desconforto. Passei por situações bem piores. Mesmo o vento frio que desliza pelas paredes, sussurrando algo que não dê para entender, não me amedronta. Ok, um leve arrepio, nada mais. Acho melhor encontrar alguém.

Penso em usar o elevador, mas uma cena de um filme de terror me vem a mente, fazendo-me mudar de ideia. Melhor pelas escadas. Descendo, chego ao térreo, onde sou recepcionado por um Thor de língua de fora.

- Bom dia, Thor.

O animal responde levantando as orelhas e vindo em minha direção.

- Onde está seu dono?

Num ganido baixo, sai andando a minha frente, em direção ao restaurante. Seguindo-o, deparo-me com uma cena que não esperava ver tão cedo. Um restaurante aparentemente normal com pessoas normais comendo comida normal e assistindo TV normalmente.

Conrado está em uma mesa ao fundo, sozinho. Nenhuma surpresa. Noutra, Pablo, Lizzy, Pooh e Victor. Ao lado, os inseparáveis Carla e LC. A mais próxima é Yulia, sozinha, de cabeça baixa, evitando olhar para os lados. Dani parece emburrada numa mesa ao canto. Com certeza me viu chegar, mas faz questão de fingir o contrário. O único que me cumprimenta é Oliver, sorridente. Me lembra em muito Daniela quando a conheci. Chega a incomodar. Assim que Thor me abandona e vai até Pablo, ouço alguns poucos “Bom dia” e respondo com uma careta, retraindo os lábios. A maioria deve ter aproveitado como eu e tomado um belo banho, pois suas fisionomias não lembram em nada a noite anterior. Claro, parecem cansados e assustados, mas não dá pra ficar alerta vinte e quatro horas por dia. Todos merecem um descanso, mesmo que por míseros minutos.

Sento-me com o garoto que insiste em me chamar num aceno. A mesa está abarrotada de comida.

- Pode atacar. – diz ele.

Nem precisa mandar. Começo a comer como há muito não comia. Num certo momento o estômago até dói, mas foda-se. O importante agora é encher a pança.

Oliver me acompanha no desjejum sem dizer um A. Ouço a conversa na mesa ao lado. Nada de interessante, apenas o de sempre. “O que é isso tudo?” “Como será que começou?” “Será que vai acabar?” Evito que percebam que estou ouvindo, pois não estou afim de papo. Só quero comer, até a barriga explodir. Sinto os olhos de Lizzy cravados em mim, e nem preciso me virar. De relance, vejo-a me fitando, de fato.

- Você acha que meus pais estão bem?

A pergunta surpresa me pega desprevenido, assim que mordo um pão doce com frutas cristalizadas.

- Tipo... – olha pro lado e volta a mim – Depois que você disse aquilo, fiquei pensando. Acha que essas coisas podem invadir minha casa, mesmo sendo segura?

- Cara, eu já os vi passando por cima de um tanque do exército. Depende da quantidade. Se for um ou dois, é fácil abatê-los. Mas, se inventarem de atacar em bandos grandes, aí a coisa engrossa. Não sei se são atraídos pelo cheiro ou som, então se seus pais ficarem quietinhos em casa podem ter uma chance.

O vejo sorrir mais aliviado com minha mentira. Não tô afim de bancar o psicólogo. Melhor iludi-lo com uma mentira do que entristecê-lo com uma verdade.

- E os seus pais?

Mais uma vez me pega de surpresa. Cada pergunta, garoto.

- Não faço ideia. Isso tudo aconteceu tão rápido em minha cidade que nem tive tempo de descobrir. Talvez tenham fugido, talvez não. Realmente não sei. O que importa agora é me manter vivo.

Desse momento em diante não consigo mais mastigar direito. Minha garganta seca e dá um nó. O que aconteceu com minha mãe, afinal de contas? Terá sobrevivido? E meu pai? Estava de viagem na época. Terá voltado para Jaboticabal a tempo de ser trucidado pelos canibais? Ou está em um lugar distante, a salvo? Não, já me bastam as minhas dúvidas, mais não. Tudo a seu tempo.

- O que você acha deles?

- Hã?

Oliver refere-se aos demais. Sorri divertido tentando disfarçar. Começa a apontar um a um.

- Esse tal Pooh. De onde veio esse apelido?

- Não faço ideia. – continuo no meu banquete.

- Não lembra em nada um ursinho. Tá mais prum búfalo. – e ri baixo.

Faço uma careta pra retribuir.

- E a loira? É namorada dele?

- Lizzy? Não sei cara, acredito que não.

- Humm... Eles formam um casal bonito. Sem contar que não se largam um momento.

Resmungo. Isso é verdade. Pelo que consigo me lembrar, Elizabeth e Ivan nunca se separam mesmo. Podem ser irmãos, namorados, amigos. Pouco me importa.

- Se não forem um casal, aqueles dois são. – seu alvo agora é a mesa onde estão Carla e LC – E digo mais. Tenho certeza absoluta que os vi no aeroporto quando essa parada começou. Não sei por que negaram.

Oliver dá ênfase em “absoluta”.

- Talvez eles não se lembrem. – só respondo por responder, sem nem saber o que estou falando. Esse garoto não percebe quando as pessoas querem ficar quietas? Definitivamente me lembra Daniela.

Olhando sobre o ombro, vejo-a sozinha, com uma expressão mal-humorada. Mastiga devagar algo que não consigo distinguir. Uma fruta, talvez.

- Acho difícil não se lembrarem. Estavam com uns caras estranhos. Pareciam cochichar. Inclusive a mulata piscou pra mim. Tenho certeza de que eram eles.

- Deixa pra lá.

Impossível fazê-lo se calar.

- E o negão ali? Victor, né? Tem cara de ser pai da morena. Esse bota respeito.

- É.

- Coisa que aquele tal Conrado não tem por ninguém. Por que não o deixaram pra trás?

E sorri, fazendo cara de quem trama alguma arte. Nem manifesto minha opinião. Desnecessário.

- Esse vai dar dor de cabeça.

- Isso se ele conseguir durar muito tempo.

- Pode crer. Acho que na primeira chance, qualquer um aqui vai passar a perna nele e deixá-lo a mercê daquelas coisas. Você faria isso?

Já fiz.

- Sei lá. Se fosse preciso.

- E a ruiva? – acho que nem ouviu minha resposta. Que futriqueiro! Pára de cuidar da vida dos outros, moleque!

- O que tem ela? – continuo comendo.

- Gata, hein? Vai dar trabalho pros cuecas daqui. O que você achou dela?

Vejo-o me encarando, curioso.

- O que eu achei o que?

- Gostou dela? – sorri.

- Eu nem conheço essa gente, cara. Como posso gostar de alguém que não sei nem de onde veio? – mantenho a voz baixa. Não quero ser tirado como fofoqueiro.

- Ah, eu gostei de você. Você é o único que conversa comigo aqui. Mesmo sendo ranzinza, você é o mais maneiro de todos.

Encaro-o com um olhar vago proposital.

- Que bom. – e volto a comer.

- Os legais aqui são o cara do cachorro, a Lizzy, a ruiva parece ser legal também, e você. Só. Você disse que sua amiga é legal, mas não acho. Sabe o que eu acho? Que ela gosta de você.

- Quê? – que comentário sem fundamento.

- Vai dizer que você não percebeu?

- Nada haver, cara. Nunca dei liberdade pra ela gostar de mim, no sentido que você tá insinuando. Ela gosta de mim como amigos. Não que a considere assim. Vejo-a mais como uma aliada. Nos dias de hoje não há amizades, há parcerias. Na verdade, sempre foi assim. Você conhece o MSN?

- Messenger? Claro.

- Pois então. Se você quer sobreviver nesse mundo, ou mesmo que tudo volte ao normal algum dia, lembre-se: não faça amizades. Faça contatos. Quando não precisar mais, basta deletar.

- Que egocêntrico! – parece surpreso, mas nada incomodado.

- Esse sou eu. Goste ou odeie. Pra mim não importa.

Será que agora consegui afastá-lo?

- Gostei. – e gargalha, chamando atenção dos outros, inclusive de Daniela, que só lança-lhe um olhar irado.

- De qualquer maneira, Tiago. Acho que é melhor contar com alguém pra ter mais chances. Todos precisam de alguém do lado, nem que seja apenas um amigo. Até você, com essa pinta de armadura, precisa.

- Já disse. Sou melhor sozinho.

Cansei. Acho que depois dessa, ela vai me deixar comer em paz. O que o faz calar-se não é meu comentário, mas sim a grande TV de LCD presa num suporte logo acima. A imagem está ruim, mas consegue-se ver o bastante. São Paulo destruída.

Nem preciso olhar para os lados, pois sinto que todos estão com olhos cravados no noticiário.

- E os ataques continuam por toda São Paulo. Não se sabe como começaram, nem por que continuam. Tudo que pode-se afirmar é que estamos a mercê de uma nova doença. Qualquer cidadão saudável que tenha contato com algum dos doentes deve se afastar o mais rápido possível. Não há como prevenir o contágio após o primeiro contato, aparentemente. Qualquer um que seja atacado por alguém já infectado perecerá do mesmo mal. Em palavras mais simples: seja mordido e torne-se um deles.

“Até que descobriram rápido”, penso comigo mesmo.

- A guarda nacional recebeu ordem para bloquear todo e qualquer acesso à grande São Paulo. Ninguém entra, ninguém sai.O Presidente da República decidiu manter o estado em quarentena até que se descubra como parar isso.

- Quê? – Pooh berra, após socar a mesa – Esse filho da...

- Vamos escutar, Ivan. – repreende Victor.

- Senta aí, ursinho. – chacota Conrado.

O grandão nem responde à provocação, tamanha indignação.

-Pedimos que os que ainda se encontram na Capital Paulista permaneçam em suas casas.

Fechem as portas e janelas e não saiam até que recebam ordens extremas pra isso.

- Como se fosse adiantar.

Dessa vez é Daniela quem comenta, sem nem olhar pra TV. Mantém a cabeça baixa, enquanto mastiga sua fruta. Ela está certa.

- O acontecido já teve consequências mundiais. Em apenas um dia conseguiu chamar atenção do mundo inteiro. Vários países sensibilizaram-se com a tragédia e ofereceram ajuda. Mas como ajudar nesse caso? Seria de grande ajuda pelo menos descobrir o que, afinal de contas, aconteceu com essas pessoas.

Vemos na TV uma multidão de pessoas visivelmente descontroladas correndo atrás de outras, atacando-as. Pelo visto não colocaram censura alguma devido a violência das cenas. Pelo lado bom, perceberam a gravidade da situação. Já é um começo pra tentar sobreviver, mal sabem eles. E doença? Faz-me rir, TV.

- O prefeito de São Paulo já foi retirado de São Paulo com sua família. Nesse momento se encontram no Rio de Janeiro em segurança.

- O prefeito esses porras salvam? E nós? – reclama Pablo, com a voz alterada.

O clima no local começa a ficar pesado.

- Pede-se mais uma vez que não saiam de suas casas e não deixem ninguém entrar. Não temos ideia de quanto tempo isso vai durar, se é passageiro ou não. O que sabemos é que é o vírus mais destrutivo que se tem notícia. Acredita-se que tenha origem fora do Brasil.

- O quê? – pulo da cadeira.

- Há alguns anos algo parecido devastou uma parte do Chile. Destruiu várias cidades e matou uma quantidade significativa de pessoas. Após o ocorrido, descobriu-se uma doença desconhecida, e alguns pesquisadores disseram ter sido criada em laboratório por uma organização criminosa de cientistas até hoje não capturados.

- De onde tiraram isso? – pergunto, olhando pra Daniela, que nem se encontra mais emburrada. Até ela se assustou com a notícia.

Olhando-a mais atentamente, percebo uma expressão estranha. Não parece alarmada com o comentário, mas sim com outra coisa.

- Tiago. – e aponta pra TV – Você lembra dele?

Mirando a tela de LCD, demoro pra reconhecer o rosto do homem.

- Quem...?

- É o homem que nos tirou de Jaboticabal. – fala a garota. – Lembra de quando nos pegaram e nos jogaram naquele camburão? Lembro como se fosse ontem.

- Eu também, Dani. Ele perguntou se fomos mordidos e depois sorriu.

Impossível esquecer aquele sorriso. Lembro que naquele momento achei que estava ferrado de vez. Quase desejei voltar ao freezer. Cercado por eles.

Na TV, o sujeito se encontra sentado em uma mesa com outras pessoas, todos com aparência importante. Políticos, doutores, militares. Para minha surpresa, a tela muda, focalizando-o.

- Como vocês pretendem dar conta disso, Coronel Peter? – questiona o jornalista anterior, dando vez para o homem falar.

- Bom, o Exército Brasileiro, assim como qualquer outro, pretende defender sua nação a todo custo. Temos o apoio total de uma grande empresa farmacêutica no combate ao vírus e aos infectados.

- Que empresa é essa, Coronel?

Meus olhos se arregalam, quase pulando das órbitas.

- Todos vocês devem conhecer. LAQUARTZ, é o nome. – um LOGO da empresa maldita aparece na TV, seguindo-se de fotos de algumas de suas instalações e produtos. No rodapé da cena, uma faixa preta exibe com letras brancas “Laboratório de Quântica Aplicada Rosabela Tzao” – A empresa nos ofereceu ajuda na busca pela cura ou mesmo por algo que impeça a proliferação do vírus.

- Acredito que muita gente vai querer isso, Coronel. – brinca em tom sério o jornalista.

“Com certeza. Muita gente vai querer comprar isso.”

- LAQUARTZ tem instalações em grandes capitais do Brasil, porém a segunda maior foi destruída ontem pelos ataques. Tentamos contato com algum possível sobrevivente, mas não conseguimos nada. Acreditamos que ninguém sobreviveu lá.

Abigail. Enfim, uma boa notícia.

- A outra, situada em Belo Horizonte, está nesse exato momento estudando, pesquisando, enfim, empenhados em encontrar a solução para esse problema. Liderados pela própria fundadora, Sra. Rosabela Tzao, não vão descansar até o Brasil estar seguro novamente.

-Coronel, vocês tem ideia de onde isso surgiu?

- Não. Mas descobriremos.

- Claro que vocês sabem, seus filhos da puta! – berro – Vocês criaram isso!

Sinto vontade de ter Abigail viva na minha frente para poder esganá-la até a morte. Velha maldita! Visualizo-a no rosto do tal Coronel. Será esse o novo inimigo? Qualquer coisa que ande ao lado da LAQUARTZ tem minha total antipatia.

- Tem alguma previsão, Coronel?

- Como já foi dito, não. Mas tentaremos o mais rápido possível. Só pedimos que todo o Brasil colabore no que for preciso, se o for.

Claro que querem a colaboração desses trouxas. Com o apoio de tanta gente, quem poderá derrubá-los, não é? Eu?

- Obrigado, Coronel Peter, e acredito que digo por todos os brasileiros. Boa sorte.

- Eu agradeço, Joel.

- Voltaremos com mais notícias. Joel Silveira, para todo o Brasil.

E começa outra reportagem sobre o mesmo assunto, mas nada que consiga me tirar aquele nome da cabeça. LAQUARTZ. Lizzy e seus companheiros olham-me fixamente. Sabem o que estou pensando. Daniela também.

- Pelo que entendi, fomos deixados aqui pra morrer. Foi isso mesmo? – caçoa Conrado.

Ninguém rebate. Ele está certo. Fomos deixados a própria sorte. Quarentena? São Paulo vai ter o mesmo fim que Jaboticabal. Vai ser riscada do mapa. Afinal, o que essa empresa deseja? Dinheiro? Dominação? O quê?

- Foi exatamente isso. – confirma Victor – E oriento a todos que não esperem por um caminhão do exército vindo resgatá-los. Isso só acontece na TV. Como ninguém tem acesso ao que realmente está acontecendo aqui, por que se arriscariam pra salvar uns pobres coitados? Para nos salvar? Tão mais fácil nos deixarem morrer e depois recebermos uma homenagem.

- E a LAQUARTZ, Victor? – Lizzy se levanta – Ainda não terminamos com ela.
- Acha que vamos conseguir sair daqui? Ainda tem alguma esperança? Olha por aquela janela. Olha e me diz o que vê. Como vamos passar por aquela legião de demônios? Voando...?

Sua expressão muda.

- Victor...

- É isso aí, Lizzy. – o grandalhão quase sorri – Acha que estão cercando a cidade pelo ar também?

- Não sei. Talvez.

- Improvável. – Pooh se mete na conversa. Pela sua cara, parece ter entendido o motivo da pergunta de Victor.

- Podemos contatá-los.

- Não daqui.

- Sei que não, Lizzy. Podemos voltar à base e pedir socorro.

- Não por enquanto. Temos que esperar o tempo certo. – começa Pooh, com pinta de conselheiro. Não combina com ele – Qualquer um que tentar entrar a área em quarentena vai atrair atenção, e eles querem tudo, menos atenção.

Eles quem?

- Podemos esperar uma semana, talvez.

- Uma semana presa aqui? – grita Carla, que se manteve calada até o momento, apenas ouvindo a discussão entre seus companheiros – Nem morta.

- Morta? – caçoa Pooh.

- Você me entendeu, otário!

- Não dá mesmo, galera. – dessa vez é LC quem se intromete – Uma semana? Acha que vamos durar esse tempo todo do jeito que tá lá fora?

-É só nos precavermos, LC. – Lizzy explica – Podemos nos manter folgados nesse hotel por uns dias, a salvo. Duvido que consigam entrar se trabalharmos nisso.

- Sei lá, Lizzy.

- É só o medo, Luiz. Eu te entendo, todos estamos com medo. Mas é nossa melhor alternativa. Ou tem ideia melhor?

O loiro se cala.

- Por onde vamos começar então? – Pooh morde outro pedaço de bolo, mastigando de boca aberta.

- Vamos limpar o hotel. Tirar os corpos e jogá-los pra fora. Não dá pra ficar aqui se o cheiro começar a subir.

- E depois? – questiona Carla.

- Primeiro as coisas primeiras. – finaliza Victor.

E está decidido.

Todos se reúnem em grupos. A missão agora é localizar todos os defuntos remanescentes no grande hotel. Não é muito difícil. São muitos, mas é até prazerosa a tarefa. A faxina me faz lembrar de quando ajudava minha mãe em casa. Raramente, mas ajudava.

Vamos puxando os corpos pelos corredores até as janelas que dão pra rua. Construímos uma murada de mortos. Alguns montes chegam a alcançar a base das janelas. O cheiro é horrível para as mulheres. Não que os homens não sintam, mas são mais resistentes. Eu mesmo estou acostumado. O que me irrita é ter que me sujar todo após tomar aquele banho tão gostoso. À noite tomo outro melhor e mais demorado.

É necessário dizer que Conrado se recusa a ajudar? Não, né? O quarentão sumiu pelo hotel assim que nos preparamos pra começar a tarefa. Ninguém se importou. Antes não ajudando do que atrapalhando. Por um breve momento vejo seu rosto em um dos cadáveres. Uma previsão? Não. Um desejo.

Yulia também não ajuda, mas nem fazemos questão. Preferimos que ela continue cuidando de Yerich. Afinal o bebê precisa de cuidados. Ainda assim, a ruiva nos segue por todo lado. Parece estar evitando ficar sozinha. Lembro-me da noite passada. Quem era o poliglota?

Pouco depois da uma da tarde limpamos um andar e meio. Paramos pra nos refrescar com água trazida por Lizzy e Carla. Pooh tira a camisa suada, embora faça frio, devido à chuva que insiste em cair. De costas, vejo grandes cicatrizes na pele de Ivan.

- Que cicatrizes são essas? – Oliver não é nada discreto.

- Ossos do ofício, garoto.

- Conta pra ele, Pooh. – Lizzy brinca – Acredito que todos devem estar curiosos pra entender seu apelido.

- O que as marcas têm haver com o apelido? – Dani pergunta.

- Posso contar? – pede a loira.

O gigante apenas a olha, com cara de poucos amigos.

- Bom, há alguns anos, viajamos a trabalho pra Rússia. Nas montanhas de Palana, nos separamos.

- Estavam fazendo o que lá? – Oliver arregala os olhos, como quem espera uma história eletrizante antes de dormir.

- Sem muitos detalhes. – corta Pooh.

- Enfim, Ivan ficou desaparecido por alguns dias. Quando o encontramos, estava caído na neve, ensanguentado, com grandes feridas nas costas. Desacordado. Assim que recobrou a consciência, descobrimos o que havia acontecido.

- O quê? – Oliver sabe irritar quando quer.

- Acreditem ou não, ele foi atacado por um urso. Um Kodiak.

- Mas Kodiaks habitam o Alasca, não a Rússia. – corrige Oliver, confuso.

- Que seja! – Pooh interrompe – Era grande, tá certo?

- Pelas marcas, era enorme. Ivan enfrentou um urso e saiu vivo.

- E como sabem que é verdade? – Oliver tá pedindo por uns tapas, fala sério.

- Encontramos o urso logo adiante, com o maxilar arrebentado. Melhor prova que essa...

- Daí surgiu o apelido do Ursinho Pooh aí. – comenta Carla, debochando.

- Mataram a curiosidade? Vamos trabalhar.

Pooh prende a camisa na parte de trás da calça e segue rumo ao quarto adiante. Retomamos o trabalho após a história, um tanto difícil de acreditar. Mas o que é real hoje em dia?



♦ ♦ ♦



No fim da tarde sinto o estômago roncar. Passamos horas a fio limpando o hotel, de cima a baixo. Todos, menos Conrado. Sumiu a tarde inteira. Deve estar em algum canto inventando novas piadas sem graça. Meus braços doem de tanto puxar e erguer cadáveres e jogá-los pelas janelas. O lado bom é que não sentiremos mais aquele fedor podre tão cedo. A maioria cai exausta nas cadeiras da cozinha, outros no chão, o que é o meu caso.

- Tô morto! – diz Pablo, virando uma garrafa d’água gelada.

- Não mais que eles, cara. – brinca LC, agora Luiz Carlos. Descobrimos seu nome no meio da tarde.

Pablo engasga com o líquido, num misto de riso e tosse. Thor vem pulando. Ou está preocupado ou está brincando com o dono.

- Caraca! – pragueja Carla, bebendo uma limonada - Tá chovendo ainda. Vai acabar afogando aqueles porras lá fora!

- Será que morrem afogados? – questiona Oliver.

- Pergunta pro LC. – Pooh sugere. Mais tarde descobrimos porque, quando Carla conta o acontecido na banheira. Mancada, hein, LC!

Jantamos ali mesmo no chão da cozinha. Todos comem com voracidade, inclusive Yulia, que parece menos retraída. Pablo brincou bastante com ela durante o dia. Gestos dignos de um palhaço. Ou a garota gostou, ou o achou um idiota. Mas tenho que admitir, ele é realmente um cara legal.

Perto das sete, já empanturrados, Carla chama nossa atenção.

- Seguinte. A munição tá acabando e pelo que vi não vai dar pra ir na esquina comprar mais. Economizar o pouco que temos, se eles continuarem lá fora, vai ser fácil. Caso contrário, ou criamos asas, ou criamos balas. Como as duas alternativas estão automaticamente descartadas, sugiro que demos outra limpa no hotel, mas dessa vez em busca de qualquer coisa que sirva como arma. Mas digo qualquer coisa mesmo.

- O quê, por exemplo? – Oliver pergunta.

A mulata olha pros lados em busca de algo, pega um garfo de prata e o ergue.

- Isso, por exemplo.

- Um garfo? – indaga ele.

- É, garoto. Um garfo. – todos nos viramos na direção da voz, que vem do fundo. Conrado – Vamos bater os olhos dos malucos até virarem clara em neve!

E ri da própria piada.

- Tem ideia melhor, mané? – pergunta ela, contrariada.

- A única coisa eficaz contra esses doidos é isso. – e ergue sua arma.

- Tá. Armas nós também temos. O que quero dizer é...

- Não é só uma arma, gata. É uma pistola. Essa é a minha arma. – e pega na genitália. Alguns se entreolham, inclusive as mulheres – Essa é minha pistola. Essa é pra atirar e essa é pra me divertir.

É impressão minha ou o quarentão está bêbado?

- Como eu dizia - continua Carla, deixando-o gargalhar sozinho no fundo da cozinha – se procurarmos e sermos criativos conseguiremos nos defender. Uma boa garfada no crânio, ou como o bebum ali sugeriu, nos olhos, poderá afastá-los ou até derrubá-los.

Entregando o garfo na mão da russa, puxa uma gaveta e espalha vários talheres pelo chão. Facas e garfos de todos os tamanhos e formatos. Todos de prata.

- Que tal começarmos a nos armar?



♦ ♦ ♦



Meia hora depois subimos para nos banhar. Vou à frente antes que Dani ou Oliver puxem papo. Depois de um dia tão cansativo tudo que quero é um banho quente e depois cair na cama. E tomei a decisão acertada, pois assim que levantei, Oliver me chamou.

- Tiago...

- Cara, depois a gente se fala. Vou tomar banho agora. Tô fedendo.

Antes de me enfiar debaixo do chuveiro lavo o rosto, e encaro-me mais uma vez no espelho. Sinto-me mais corado. Mais saudável. Estava precisando de um dia sem perseguições, sem bocarras tentando me morder. Mesmo sabendo que há milhares deles lá fora, sinto-me protegido. Não sei se pela quantidade de pessoas a que me uni, por sua experiência, armas, ou mesmo pelo hotel. Mas é bom sentir essa segurança.

Enxugando o rosto, dirijo-me ao Box, mas alguém entra no quarto, o que percebo ao ouvir a porta sendo fechada. Vou avisar que procurem outro quarto, já tem gente aqui.

Achando melhor ver antes de quem se trata, olho pela fechadura. Se for Oliver, vou manter a porta trancada. Se bobear, o cara puxa assunto até com quem está sentado no vaso sanitário, fazendo o que deve ser feito.

Não, não é Oliver. É Pablo. Sentado na cama, de frente pro banheiro. Não deve ter me percebido ali. Está de cabeça baixa. Fuçando o bolso. O que é aquilo em sua mão? Um bombom? Não. É um saquinho, mas não é doce. Será...?

- Desculpa... – ouço-o sussurrar em lágrimas.

Abrindo o plástico, enfia os dedos e traz uma pequena quantidade do pó branco pra mais perto do rosto. Do nariz. Com os olhos fechados, sua expressão é de quem está lutando contra um pelotão. Contra um demônio. Se for o que eu tô pensando, não faz isso, cara! Não cheira essa cocaína. Ou crack, sei lá! Não faz essa droga. Não deixa essa droga fazer sua cabeça. Até penso em interferir, mas acho melhor não.

Um latido chama minha atenção. Logo em seguida, ganidos. Thor está do lado de fora do quarto, arranhando a porta. Parece implorar para que o dono não cometa o ato. Pablo nem olha pro lado. Apenas permanece imóvel por alguns segundos, de olhos fechados, sentindo as lágrimas escorrendo-lhe pela face. Em seguida, coloca o pó de novo no saquinho, fecha-o e guarda-o no bolso da calça. Levantando-se, sai sem perceber minha presença.

- Relaxa, Thor. Eu tô limpo. – é tudo o que diz antes de fechar a porta e sair.

Quem diria. Após o acontecido, sinto-me um invasor. Não é da minha conta, mas é algo importante. Falo com ele? Não, ele que se vire. Ele que saia dessa sozinho. Nunca curti drogas. Nem de cigarro eu gosto, a alergia me mata. Bom, o que me resta é tomar banho. Um quente e demorado banho. Deixa Pablo pra depois.



♦ ♦ ♦



A noite chega de surpresa, trazendo o fim de um dia calmo no hotel.

Alguns foram se banhar, enquanto ando pelos corredores com Pooh, LC e Victor. Insistem em me perguntar mais sobre os infectados. Conto algumas de minhas desventuras em Jaboticabal, como a vez em que quase fui morto por uma velha em um pequeno castelo assombrado. LC ri, como que debochando.

- Já bastam os doidos, cara. Nada de fantasmas bonzinhos.

Nem me esforço para que acreditem. Só eu sei tudo que passei, e essa não foi nem de longe a pior.

No caminho que leva a lavanderia, onde conheci Oliver, encontramos uma sala. Abrindo a porta metálica, descobrimos a sala de vigilância, com vários televisores mostrando diversos pontos do hotel, inclusive o lado de fora, onde a multidão vaga, esperando o almoço sair.

- Isso vai nos ser muito útil. – comenta Victor.

Enquanto fuçamos, uma tela em particular me chama atenção.

Yulia.

- Olha a ruivinha gostosa. – aponta Luiz Carlos – Será que a câmera pega a ducha dela?

Sua piada é abafada pelo olhar severo de Victor. Pooh está mais focado em um detalhe.

- O que é aquilo na mão dela?

Forçando a vista, reconheço.

- É o garfo que a Carla lhe entregou. Parece que ela pegou o espírito da coisa.

- Tem algo estranho. – comenta Ivan – Ela está andando de uma maneira... Parece que quer evitar que a ouçam.

Yulia olha para os lados e ergue a arma improvisada.

- Aquele quarto em que ela entrou... Quem está lá? – pergunta Victor, desconfiado.

Pensando, me lembro. É o quarto de Conrado.

O que ela vai fazer?

 
.

27 mordidas:

Tayná Tavares disse...

ahhh preview!! Agora sim fiquei com mais vontade.. x_x

Que bom que a vida aí em São Paulo ta meelhorando, assim não vamos ter que esperar tanto.. =D

beijãããooo

27 de junho de 2009 às 03:01
Wey disse...

Sobrenatural!
OMG
Pelamordedeus Tiago,não nos deixe órfãos!
Pablo fraqueja?
hum...

29 de junho de 2009 às 01:52
Anônimo disse...

NAAAAAAAAAAO!!! Eu NÃO AGUENTO ESPERAR!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
PELO AMOR DE DEUS, POSTA o CAPÍTULO 19!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
(PS. TM tá cada dia melhor! PARABÉNS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!)

30 de junho de 2009 às 11:55
Dane disse...

te odeio.. só naum te mato pq tenho q saber o resto da história maninho..u.u

30 de junho de 2009 às 17:41
O Coelho Branco disse...

Tooooooooooy, assim voce mata a gente! \oo cada dia to amando mais TM *--*
Continua... e que bom que melhorou a situação ai em Sampa!
\oo
Vlw pelo preview cara! *-*
(L)³

1 de julho de 2009 às 14:20
Yu Vidal disse...

Sorte pra vc Toy ai, espero que melhore logo as coisas pra gente poder ler mais o TM.

1 de julho de 2009 às 14:50
Blog Dri Viaro disse...

Oi, passei pra conhecer seu blog e desejar boa tarde
bjs

aguardo sua visita :)

1 de julho de 2009 às 19:46
Maurice. disse...

Cara,apesar de novo,posso dizer que já li uma vasta quantidade de lívros,dos mais diversos gêneros literários.Mas muitos poucos me prenderam a atenção e me deixaram tão cativos quanto a sua trama,seja pela narrativa,ou pelo tema.Prabéns mesmo,eu e alguns amigos aqui do Rio de Janeiro estamos adorando.É isso aE meu brother,e mais uma vez,parabéns.

3 de julho de 2009 às 01:31
Raquel Rocha disse...

Thi...Vc é mal....Muuuito, muito mal! Mas eu entendo q vc anda muuito ocupado, mas vc poderia responder algumas questões né?!?? E NÃO CRIAR OUTRAS!!! Ja não basta nos deixar curiosos com o fim do cap 18. Tem criar mais suspense. Mas eu estou descobrindo seu plano maligno...Nos deixar curiosos só pra continuarmos a ler né?!?! Huauahuah....A-D-O-R-OOOOO....

30 de julho de 2009 às 01:28
Everton Roberto disse...

Eu ri do velho de boca murcha
.
Que susto! O Tiago indo pra trocar de roupa na frente do Oliver e o Oliver encarando o Tiago e o Oliver ainda pergunta “O que foi aquilo na lavanderia Tiago?”
Tenho quase certeza que ele tava falando do agarramento no chão, mas o Tiago não percebeu
E depois o Oliver ainda fica fazendo força pro Tiago trocar de roupa na frente dele
AHUhauHAUah
.
O Oliver é chato bagarai, fala muito e pergunta muito rs
Sabia que o Pablo usava drogas... mentira rs
Coitada da Dani, o Tiago nem chega perto, nem fala com ela direito :(
.
Achei mega estranho o flashback do castelo... não gostei muito não :/
Ih! Sera que a Yulia vai matar o Conrado a garfadas?!! :O
.
O próximo capitulo sai quando??
HAUahuAH

8 de agosto de 2009 às 05:48
ErickTavarez disse...

Essas histórias passadas do Tiago são tão chatas, XD.
Está dando pra ver que voce melhorou. Bom capitulo.

8 de agosto de 2009 às 07:41
Anônimo disse...

aiai.. u.u mano do mal.. e tomara q ela mate o conrado a garfadas hUAUAHUAUHAUHUAHUA... *-* Pablo era legal demais pra naum ter algo errado com ele.. i.i... PS: Será q os zumbis ficam drogados? *-* AHUHUAHUAU xD

8 de agosto de 2009 às 15:25
Samir disse...

Aeee Fiquei Feliz!
Entrei no TM pra variar sem esperança e cá estava!
Cap 19!!!!
vlw

8 de agosto de 2009 às 16:01
Yu Vidal disse...

Uaaal , alguem mais achou a parte do Furacao no méxico meio gripe suina ?
Haha me lembrou muito isso, gostei muito desse capitulo, Conrado Morto Já.

9 de agosto de 2009 às 05:55
Alinny e Galdino disse...

legal, so nao faça como lost, apresentando questoes e misterios e se pardendo nao respondendo a nenhum deles no final..=)

9 de agosto de 2009 às 20:08
Anônimo disse...

só não gostei dos flashbacks desse capítulo, nem do "gelo" do Tiago com a Dani e muito menos desse Oliver "pegajoso"... mas tah demais!!!! Será que eles vão conseguir fugir de São Paulo? E será que a Yulia vai matar o Conrado? ai ai ai... tolokinha pra saber o resto!!!!!!!!!

10 de agosto de 2009 às 14:48
Edimar Suely disse...

Olá,

Passando para conhecer seu belo e interessante espaço e desejar uma linda semaninha e muita paz em seu lar,.

Smack!

Edimar Suely
jesusminharocha2.zip.net

10 de agosto de 2009 às 18:06
Tiago Toy disse...

Erukusu
Essas histórias passadas (Flashbacks) do Tiago são extremamente neccessárias. Afinal de contas, você não tem curiosidade pra saber como e por quê o Tiago foi parar naquele freezer, a tanto esquecido?

Samir
A esperança é a última que morre. A Terra já está morta, Terra Morta não.

VjeaBlog
Muitíssimo obrigado pela "filiação". O Selo já está salvo.

Alinny
LOST nem chegou ao final ainda. Como ficariam sem responder as questões no final?
E relaxa que tudo, mas TUDO MESMO, será desvendado. Mas claro, na hora certa!

A todos os leitores, muito obrigado e espero que tenha valido a espera!

10 de agosto de 2009 às 20:50
claudio disse...

po TOY mata um zumbi por AFOGAMENTO PLZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ

soh ta faltando isso! e akela mulheh eh burra! ao envés de pega um cutelo pega um garfo como arma u.u


pedido: mate por favor ... 1 zumbi por afogamento... 1 com uma c4 colada ao corpo... 1 com um raio (ta chuvendo mto) e principalmente... 1 com um meteoro na cabeça! seria DIVINO!

12 de agosto de 2009 às 05:17
Samir disse...

NÂO MATA O CONRADO AINDA!!!!
TAMBÉM ODEIO ELE + VAI FICAR SUPER SEM GRAÇA SEM ELE PRA ENCHER O SACO DOS SOBREVIVENTES!
ele podia é fazer umas piadinhas sobre o tiago e a dani pra ela apelar e quem sabe...

13 de agosto de 2009 às 20:13
Anônimo disse...

Ou Toy !

Manda ae a resposta ..
sabe .. tipo . em quem você se expirou para Criar a Yulia .. sabe pq c diz que ela e gostosa cara coloca ae no Tm EXTRA .

Flw´s

15 de agosto de 2009 às 23:35
Tiago Toy disse...

- Há uma razão para ser um garfo e não um cutelo.

- Não matar o Conrado? Humm...

- A Yulia foi inspirada em duas celebridades. Lindy Booth, atriz que eu acho muito linda, e a cantora Yulia, das T.A.T.U., no videoclip 'All About Us'. Inclusive a roupa que usava em sua primeira aparição é muito semelhante à do video. E ela já está no TM EXTRA.

27 de agosto de 2009 às 20:28
Samir disse...

Então toy....
Vc tem uma previsão pra gente de quando vai postar +?
esse negócio vicia!
ja lí tudo de novo!|

28 de agosto de 2009 às 02:31
Anônimo disse...

que merda hein

7 de setembro de 2009 às 00:50
Tiago Toy disse...

Samir
Legal saber que esse negócio vicia. Mas não tenho previsão não. Posso dizer que sairá em até um mês. Não por escolha, mas por ser minha única alternativa. Porém, posso garantir que valerá a pena a espera. Eu já menti quanto a isso?

8 de setembro de 2009 às 22:09
Samir disse...

è realmente cada 1 valeu a pena não posso reclamar!
Ta valendo sim!

14 de setembro de 2009 às 12:11
Tiago Toy disse...

Sejam bem-vindos novos infectados, e aos antigos, espero que continuem sobrevivendo.

Grande abraço!

7 de julho de 2012 às 00:01

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