O Filme da Minha Vida - Night of the Demons
Todos nós, que crescemos assistindo a filmes de terror,
temos um em especial, aquele que marcou nossa infância. Lembro de quando meu
pai comprou nosso primeiro videocassete. Eu estava no céu! Antes disso, me
contentava em passar horas na locadora ao lado de casa lendo as sinopses nas
contracapas das fitas VHS. Havia um em particular que não saía da minha cabeça,
e eu imaginei durante anos como aquele filme seria. Pudera, com uma capa daquela.
Uma mulher-demônio com dentes podres de vampiro, com uma aranha saindo de sua
coroa, olhos vermelhos me encarando, e a linguona roxa de fora lambendo um
pirulito em formato de crânio. A chegada do videocassete me permitiu conhecer
aquela preciosidade que se tornaria o filme de minha vida: Night of the Demons 2.
Minha mãe deixava que eu alugasse de 2 a 3 filmes todo final
de semana, e ele estava em todas as listas. O dono da locadora Dimensão deve
ter ficado consideravelmente mais rico graças a minha obsessão com aquele
filme. Pelo menos até eu descobrir como fazer cópias usando dois videocassetes.
Não vou me aprofundar muito em minha história com A Noite
dos Demônios 2, pois pretendo escrever um artigo só pra ele, mas o básico é:
assisti o filme tantas e tantas vezes que decorei cada fala, movimento e corte
de cena. Primeiro porque eu gostava; segundo porque eu não encontrava a parte 1
em lugar nenhum. Não me recordo datas exatas, mas desde que conheci a 2ª parte,
passei 10 anos em busca do 1º. Se tornou uma meta de vida. Lembro até hoje de
quando sonhei que estava andando em uma rua deserta, chegava à casa de um amigo
dos meus pais onde estava rolando um churrasco, entrava escondido e vasculhava
pelos armários em busca de algo que eu sabia que estava ali. E encontrei. O VHS
de Night Of The Demons. Não pensei duas vezes e roubei. Fiquei tão feliz!...
Mas era um sonho.
Quando comprei meu segundo computador (o primeiro era
daqueles com a tela preta e letras verdes, onde inclusive transformei A Noite
dos Demônios 2 em livro, pra verem o grau da obsessão), pesquisei por meses e
descobri que o filme não havia sido lançado no Brasil. Naquele ponto isso não
era mais um problema. Quando temos poder sobre a internet, podemos encontrar
absolutamente qualquer coisa, é só saber procurar. Descobri o Emule e, obvio, procurei pelo filme.
Devo ter esperado que ele baixasse completo por mais de um mês. Aquela tarde em
que o download foi acusado como concluído... Cara, foi uma sensação
indescritível! Era uma tarde fria, escura, propícia para o momento. Finalmente,
após dez anos de procura, estávamos ele e eu naquele quarto, sozinhos. Minhas
expectativas eram demasiado altas. Apaguei a luz, me enrolei no cobertor e dei
o play.
Em Night of the
Demons (A Noite dos Demônios), de 1988 e dirigido por Kevin Tenney, Angela Franklin (Amelia Kinkade,
apresentada como Mimi Kinkade nos créditos) planeja uma festa inesquecível
junto a sua melhor amiga Suzanne (Linnea
Quigley) em uma antiga funerária conhecida como Hull House, um lugar assustador
no meio do nada, digno de um verdadeiro filme de terror. Há muitos anos atrás,
os negócios eram conduzidos pelo velho Sr. Hull, mas Hull era um homem
estranho, obcecado pelos cadáveres dos clientes. Uma noite, a família Hull teve
um doloroso fim, quando um dos membros da família surtou. A empregada da
família não conseguiu escapar do massacre, e a identidade do assassino se
tornou um mistério, uma vez que as autoridades não tiveram êxito em encontrar
pistas em meio às pilhas de sangue e tripas.
Angela aproveita o passado obscuro da mansão e acolhe a
ideia de uma festa de Halloween autêntica. Frannie (Jill Terashita) sugere uma
sessão espírita como a primeira brincadeira da noite. Claro que não podia sair
coisa boa disso. O jogo aparentemente inofensivo sai pela culatra da pior
maneira quando os dez jovens acidentalmente libertam um demônio, o único
morador de Hull House. Odores desagradáveis, ruídos altos e brisas arrepiantes arruínam
a vibe de festa, mas há problemas
maiores que tornarão essa a pior noite da vida de cada um deles. Todos tentam
entender as aleatórias e bizarras séries de eventos enquanto o demônio toma
vantagem da confusão e as forças do mal possuem Suzanne.
Como demônios não podem atravessar água corrente, a única
maneira de se prevenir dos ataques é atravessar a área que diz respeito ao
riacho subterrâneo que circunda a propriedade. O único problema (pensando bem,
não é o único) é que o portão sumiu misteriosamente. Por mais que andem, só
encontram o alto muro que protege a mansão. As forças demoníacas de Hull House
vão impedir qualquer saída até que o último dos jovens seja possuído. Os
sobreviventes terão que escapar dos ferozes ataques até o amanhecer, ou suas
almas serão perdidas para sempre.
Night Of
The Demons é uma notável comédia/terror. É um horror oitentista
exagerado, recheado de piadas que supostamente deveriam ser bregas. Adoro o
humor extravagante, e o filme oferece uma boa mistura de horror e risos, mas
nunca chega a um ponto específico, um empecilho para quem quer levar a história
a sério. O roteiro não é bobo ao extremo, escrachado, e pode-se agradecer ao
escritor Joe Augustyn por tê-lo escrito. As piadas de Augustyn proporcionam
algum alívio cômico e são deveras criativas, como a lápide com a data da morte:
TONIGHT, ou quando Angela “aquece as mãos” na lareira, mas nunca se esquece do horror,
sabendo quando e como manter o suspense, principalmente antes das aparições
demoníacas.
A casa por si só é o cenário perfeito para o filme. Hull
House é isolada no meio do nada, acessada apenas por uma velha estrada,
impedindo que os jovens fujam ou peçam ajuda para os vizinhos. É uma mansão
funerária antiga, assustadora, com uma atmosfera arrepiante (tente se imaginar
dentro dela à noite e saberá do que estou falando). A casa realmente realça os
sentimentos de medo e desespero.
Depois da primeira possessão, Angela explica a diferença
entre "mal-assombrado" e "possuído". Não há fantasmas
causando problemas na mansão, como se imagina à primeira vista. Um demônio
espreita os adolescentes, e Hull House é controlada por misteriosas forças do
mal que podem interceptar suas vítimas ao fechar ou bloquear portas e outras
saídas, ocultar determinadas partes do local, como o portão, a única saída, e o
que mais vir a calhar. Esta peça crucial de informação o separa de outros
filmes sobre casas assombradas, e a ideia de uma casa possuída é mais
revigorante.
Um dos pontos mais baixos é a péssima atuação da
protagonista Judy Cassidy (Cathy
Podewell). Judy é doce, inocente e, para complementar, está fantasiada de Alice
no País das Maravilhas. Sua atuação é sofrível, beira a vergonha alheia. Em
compensação, a antagonista Angela, não sendo a primeira mais a mais memorável
dos possuídos, é fantástica. Angela é uma pária, daquelas góticas reclusas, que
implora por atenção da pior maneira. Ela usa um vestido negro de noiva, e o
traje reforça o lado obscuro da personagem, especialmente durante suas cenas
como demônio.
Apesar disso, Kinkade trouxe um apelo sexual à personagem. Não
dura muito, mas Kinkade oferece um show e rouba a cena com seu momento sexy e
icônico, quando ela dança sensualmente ao som de Stigmata Martyr (Bauhaus) e é possuída ao longo da música. A
performance enche os olhos, é o erotismo infernal em seu melhor. A coreografia
é não-linear, como se houvesse rupturas no tempo, e considerando a época em que
foi gravada, é quente ao extremo, especialmente quando Kinkade começa a girar
em círculos exibindo pernas e nádegas. Angela dá saltos e giros banhada pela
luz estroboscópica, fazendo parecer que ela está viajando através do tempo. Amparado
pelos flashes rápidos, é um efeito assustador.
Amelia Kinkade é o único membro do elenco recorrente na
franquia, e ela realmente possui a personagem. Angela tem força equivalente a
Jason Vorhees ou Freddy Krueger, e poderia ser um ícone da cultura pop mais
conhecida no Brasil se o filme tivesse sido distribuído por aqui.
A caracterização de Angela, do figurino e atuação à
maquiagem e voz demoníaca (voz essa por James W. Quinn), funciona muito bem e é
o ponto forte. Vê-la deslizando pelos corredores escuros é o tipo de cena que,
visto pelos olhos de um moleque na época, marca. Em resumo, Angela é Night Of The Demons.
Uma curiosidade que vale ressaltar é que, diferente de
outras divas do horror, Amelia Kinkade não seguiu carreira cinematográfica. Ela
trabalhava com balé na época da gravação e foi a responsável por desenvolver a
cena da dança sobrenatural de Angela. Seu último trabalho no cinema foi em 1997
no filme Night of the Demons 3 (A
Casa do Diabo, no Brasil), a terceira e última parte da franquia, tendo como
Angela Franklin sua personagem mais notável. Em 2001 e 2006, Kinkade lançou,
respectivamente, os livros “Straight From
the Horse's Mouth - How to Talk to Animals and Get Answers” e “The Language of Miracles - A Celebrated
Psychic Teaches You to Talk to Animals”, e atualmente trabalha como
comunicadora animal e se autoproclama pet
psychic (algo como psíquica animal, alguém com poderes para se comunicar
com animais de todas as espécies). Seu site oficial pode ser visto aqui.
Outra personagem notável é Suzanne, interpretada pela diva
do B-horror dos anos 80 Linnea Quigley. Da primeira à sua última cena, pode não
ser uma atriz de Oscar, mas cumpre
seu papel. Escolho todas como as melhores, mas a TOP é quando ela desliza um
batom pelo corpo, o enfia no mamilo, como se o guardasse na bolsa. É bizarro!
Aliás, em relação à falta de uma gama repleta de todos os
tipos de personagens o filme não sofre. Há uma variedade sortida de
estereótipos. Só entre os jovens na festa, há dez. Angela é a gótica; Suzanne é
a piranha; Judy é a protagonista inocente; Sal
Romero (Billy Gallo, creditado como William Gallo) é o típico colegial
durão; Jay Jansen (Lance Fenton) é o
babaca pé-no-saco; Roger (Alvin
Alexis) é o covarde; Stooge (Hal
Havins) é o gordo desbocado e desrespeitoso; Max (Philip Tanzini) é o bem humorado; Frannie é namorada de Max e
não tem muitos atrativos além da beleza; e Helen
(Allison Barron) é... Bem, ela apenas está lá.
Vale citar uma história (nem sei se posso chama-la assim)
paralela que ocorre na vizinhança de Judy, envolvendo um casal idoso de
vizinhos. O velho está ali para xingar a molecada e, no fim, morrer pelas mãos
da esposa. Não há ligação nenhuma com a trama principal, e mesmo após assistir
várias vezes não entendi seu fundamento.
A abertura é uma brincadeira à parte, desenvolvida em
desenho animado onde morcegos e outros elementos do Halloween brincam na tela
por 3 minutos ao redor de um castelo assombrado. Original, no mínimo.
Como a maioria dos filmes de terror dos anos 80 –
especialmente os que envolvem comédia – Night Of The Demons recebeu um severo
tratamento por parte da crítica. Particularmente, acredito que a maioria dos
críticos que o atacam não compreendem o lado comédia do filme.
Tecnicamente, há duas versões: a versão original de 1988, a
o DVD sem cortes. Assisti ambas e nunca percebi grande diferença. A versão sem
cortes é 3 minutos mais longa, apresenta mais gore gráfico e violência, mas ainda assim não se percebe maiores
mudanças entre as versões.
Há um remake lançado em 2009 que dá um tom mais fresco e
violento à trama, e tem ótimas sacadas, assim como a eficiente piada final, mas
se difere do original em diversos pontos, o que vou deixar para discutir em uma
análise distinta.
À medida que o horror vem e vai, é possível encontrar um
monte de filmes ruins e slashers
previsíveis oriundos dos anos 80, mas Night Of The Demons é uma verdadeira jóia.
Como filme alcança fácil o 8/10, mas como significado ultrapassa a nota máxima.
Não o considero melhor do que sua sequência (Night Of The Demons 2 é o filme da
minha vida), mas é realmente um entretenimento agradável. Dê uma chance se
estiver no gênero ou no estilo ou no clima para algo inofensivo e divertido.
Poderá não marcar sua vida como fez à minha - afinal, você não precisará
esperar 10 anos para assisti-lo se tiver fácil acesso ao Torrent ou Youtube –, mas
vale conhecer Angela em toda sua plenitude, a verdadeira e única rainha dos demônios.
2 mordidas:
Uma pena eu não ter assistido a esses filmes na infância, porque, certamente, teriam me marcado bem mais do que marcaram. Tudo o que eu assisti na infância, e até no início da adolescência, pra mim, é como se eu tivesse visto através de uma aura mágica, capaz de dar um sentido diferente ao que eu via. Isso, olhando para trás, e não durante o momento, deu pra entender? E será que com todo mundo é assim?
22 de abril de 2013 às 07:39Acho que é o caso de "Evil Dead", apenas para citar um clássico como exemplo. Eu o assisti aos onze anos de idade, e tenho certeza de que, se o tivesse assistido pela primeira vez uns dez anos mais tarde, ele não teria me marcado como marcou... acho até que o teria achado fraco, como muitos que o assistem pela primeira vez depois dos vinte anos.
E o mesmo vale pra outros gêneros. "My Girl" (que me recuso a chamar de "Meu primeiro amor") não teria essa aura de magia que tem pra mim hoje, assim como "A história sem fim" e tantos outros...
Enfim, muito bom o seu texto, Tiago, mas, mais ainda, o seu desespero e peripécias na busca incessante e, finalmente, concretizada pelo primeiro filme. Viva a Internet!!
Também adoro a Angela possuída. ANGELA RULES!
(uma das minhas cenas preferidas, e não apenas deste filme, mas considerando todos os filmes de terror, é aquela cena, e não lembro se é do primeiro ou do segundo filme, quando eles estão em um círculo e o demônio, recém-despertado, fica se locomovendo no meio deles, escolhendo em qual dos corpos irá entrar. Nessa cena, vemos através do ângulo do demônio, e é apavorante demais).
:))
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