Capítulo 10 - Fuga do interior


Meia hora depois de termos escapado da base, constatamos que não é mais possível usar o jipe, pois o pneu estourou. Sorte Daniela não estar correndo dessa vez, evitando um acidente maior. Sem ter o que carregar, já que nossos pertences ficaram pra trás, andamos pelo acostamento para evitarmos ser vistos e continuamos. Ricardo decide levar consigo um Walk Talk que estava no porta-luvas. Pode ser útil. O sol fraco torna o dia até bem fresco, e isso é de grande ajuda, pois nenhum de nós teve tempo de pegar calçados antes de fugir.

Nos limitamos a poucas palavras durante a caminhada, que dura longos minutos, até que avistamos a entrada de Ribeirão Preto, uma das maiores cidades do interior Paulista. Se a minha estava infestada de zumbis, essa estará o inferno em Terra.

Indo em direção a entrada, paro bruscamente e faço sinal pros dois se abaixarem. Há uma barricada cercando a cidade com um grupo grande de soldados vigiando. Há também um tanque de guerra parado do outro lado. Analiso o local e vejo logo do outro lado da pista que a vegetação é alta o bastante para passarmos despercebidos.

- Tiago, - sussurra Daniela. – essa cidade deve estar cheia deles. Podíamos continuar seguindo até chegarmos às cidades que não foram atacadas.

- Claro! E vamos nos virar como, sem dinheiro? Precisamos entrar e pegar o máximo que conseguirmos. E além do mais, até chegarmos em São Paulo, vamos morrer de fome, de sede e de tanto andar. Falta muito ainda. Precisamos de um carro também.

Daniela vê que estou certo e concorda, não gostando nada da idéia de ser cercada de novo pelos zumbis. Atravessamos pro outro lado abaixados e nos pomos a correr pela mata. Corremos um bocado até que chegamos à barricada, que se consiste em uma tela alambrado de dois metros e meio presas por vigas finas de concreto. Escalamos sem dificuldade e entramos sem maiores problemas. Os zumbis não devem saber escalar ou não tem interesse em escalar nada que não dê-lhes "comida", senão teriam usado algo mais alto pra impedir que saíssem. Aliás, em toda nossa caminhada até aqui, não encontramos nenhum deles. Devem preferir lugares abertos. De qualquer forma, espero não encontrá-los aqui.



♦ ♦ ♦



Após andarmos durante uns dez minutos, chegamos à zona urbana. Somos cautelosos, mesmo não avistando nenhum dos malditos durante todo o trajeto, onde percorremos umas oito quadras em direção ao centro da cidade. Destruição total.

Passamos perto da Rodoviária, onde há sangue por todo lado. Corpos mutilados espalhados pelo local me fazem quase conseguir imaginar o desespero dessas pessoas quando tudo começou. Revisto os guichês e encontro alguns caixas com dinheiro. Guardo o que encontro em uma mochila que peguei numa das várias lojas saqueadas. Pegamos salgadinhos, pacotes de bolacha e bastante líquido. A viagem vai ser longa. Olhamos os carros no estacionamento e encontramos vários com chaves. Já que posso escolher, indico uma EcoSport amarela a Daniela. Sempre quis ter uma dessa. Além do mais, é grande o suficiente pra nós três.

Assim que Daniela dá partida, olho pro lado. Acredito ter ouvido algo além do motor quase silencioso do veículo.

- Espera, Dani!

Realmente, um telefone está tocando. Desço e sigo o barulho. É bom encontrá-lo logo antes que atraia visitantes indesejados. Logo adiante, dentro de um Vectra prata encontro o celular e atendo.

- Alô?

- Putz! Graças a Deus alguém vivo! – uma voz masculina grita do outro lado. – Onde cê tá, cara?

- Na Rodoviária. E você?

- Perto do zoológico, no Centro. Por favor, vem me buscar!

- Putz!

E agora? Olho pro lado e vejo os dois me esperando, curiosos. Será que toparão o resgate?

Não topamos com nenhum infectado até o momento por um simples acaso. Adentrando a cidade, tenho certeza absoluta de que não teremos a mesma sorte. Mas não posso deixar esse cara pra trás. Não por salvá-lo, mas ele pode nos indicar outra saída que não esteja sendo vigiada.

- Por favor! – ele implora, sussurrando. – A bateria tá acabando.

- Ok! Mas preciso que me explique como chegar aí.

- Claro!

Corro até o carro e digo a Daniela sobre o sobrevivente. Ela não gosta muito da idéia.

- Tiago, nós estamos perto da saída e você quer se aventurar numa cidade que você nem conhece.

- Exatamente por não conhecê-la. Esse cara, pelo contrário, deve saber de outra saída além da que está sendo guardada pelos soldados. Ou você acha que vamos passar por lá tão facilmente quanto entramos?

Um suspiro de Daniela mostra que ela concorda. Trancamos bem as portas e entramos na rua principal. Carros batidos, corpos por todos os lados. Essa cidade está bem mais feia do que a minha. Mas onde estão os malditos zumbis? Não se vê uma vivalma perambulando pelas ruas. Mantenho a conversa pelo celular, que serve como GPS sonoro. Andamos um bocado, até que chegamos a uma grande praça arborizada. Finalmente os encontramos. Há, no mínimo, duas centenas deles vagando pelo local. Sem rumo. Uns trombam nos outros e se estranham, mas não atacam. Parece uma assembléia de demônios.

- Cara, fim da linha! – digo, estático. – A praça tá infestada deles.

- Então volta uma quadra, vira à direita e segue reto a rua de baixo. Falta pouco. Por favor, não me deixa aqui, amigo!

- Calma, estamos indo te buscar!

Daniela me olha com cara de poucos amigos assim que dou as coordenadas. Ela segue o caminho indicado lentamente, fazendo o mínimo de barulho possível, sem que eles nos vejam.

Minutos depois, avistamos o zoológico.

- Cara, chegamos ao zoológico. E agora? – pergunto.

- Subam essa rua que eu já vou sair. Estou na esquina de cima, dentro da minha ofici... Ahhhh! – depois do grito, a ligação cai.

- O que houve? – pergunta Daniela, vendo minha expressão assustada.

- Não sei, mas boa coisa não foi. Acho que chegamos tarde.

Quando penso em mandar Daniela dar meia-volta, um homem sai de dentro da oficina. Nosso sobrevivente. Caindo de jolehos no meio da rua, ele nos olha e começa a correr, abanando os braços e gritando algo que não consigo entender. Logo depois, entendo. Não o que ele diz, mas o motivo da fuga. Da oficina, um leão enorme aparece correndo. No carro, somos pegos de surpresa. Esperava ver tudo nessa cidade, menos um leão. Em questão de segundos, a fera alcança o pobre coitado e o derruba no chão. Nem esperamos para assisti-lo se banqueteando. Daniela engata a ré após gritar um palavrão e volta por onde viemos. Duas quadras a frente Ricardo grita, do banco de trás.

- O bicho tá vindo!

Viro-me e vejo o animal nos perseguindo. E nos alcança rápido.

- Droga! Qual o caminho? – grita Daniela.

- Vira qualquer rua!

Nesse momento, a fera pula em cima do carro. O rugido é monstruoso. Ouço o teto ser esmagado enquanto unhas potentes o perfuram. Me abaixo no banco xingando. Não fosse o medo, eu até riria da situação. Quando o bicho rasga uma parte do teto, perco a vontade de rir. Daniela nem sequer olha pra cima, virando numa derrapada a próxima esquina. Vemos o animal voando longe e capotando alguns metros.

- Caramba! Vocês viram aquilo? – grita Ricardo.

- Ele estava sobre minha cabeça, cara. Com certeza eu vi! – retruco, sarcástico, aos berros.

No desespero, Daniela acabou entrando pela rua que evitamos passar antes. A rua que leva à praça central. Percebemos o erro tarde demais, quando nos deparamos com a multidão, que nos olha, intrigados, avançando contra nós logo em seguida, aos gritos.

- Droga! – Daniela explode.

Tentando fazer outra curva fechada, Daniela faz o carro deslizar pelo meio-fio, virando e entrando pela vitrine em uma loja. Os gritos se aproximando nos fazem sair ligeiros do carro capotado. Não dá pra ir pra rua. Corremos até uma porta nos fundos atrás do caixa. Sou o último a entrar, podendo ver o leão aparecendo pela vitrine destruída e vindo atrás de nós. Só tenho tempo de bater a porta e subir a escadaria, seguindo os dois já no andar superior. Alcançando-os, vejo Daniela abrindo uma janela que dá pra sacada. Bato a porta e puxo um armário, bloqueando-a, bem a tempo de sentir a pancada do animal contra ela. Não há muito tempo. Por que esse bicho não vai comer os zumbis? Prefere carne fresca?

Quando vejo que Daniela e Ricardo já saíram, solto o móvel e corro. Saio e vejo os dois pendurados na escada lateral do prédio ao lado. Ouvindo o estrondo de madeira quebrando e o rugido, subo no corrimão da sacada e me jogo, sem técnica, apenas por reflexo, segurando-me na escada. Subo rápido e sinto algo batendo contra a escada, logo abaixo do meu pé. Olho pra trás e vejo o leão caindo sobre os zumbis.

- Rápido, Tiago! – grita Daniela.

Escalamos alguns degraus e entramos pela janela do sexto andar, a única aberta. Caio no sofá do apartamento, exausto.

- Tô me sentindo um velho! Não aguento mais correr!

- Pelo jeito, a gente ainda vai correr muito, Tiago. – diz Ricardo, voltando do corredor onde entrara. – Esses zumbis não vão dar passagem tão facilmente.

- Que droga! – grita Daniela, olhando pela janela. – Já não bastassem esses malditos, agora temos que fugir de animais selvagens infectados. Isso aqui virou um safári!

Ficamos em silêncio por alguns minutos, ainda que aquela velha vontade de gargalhar que surge sempre após ser quase morto toma conta de mim. O barulho que os zumbis fazem lá embaixo é de gelar a alma. Somado aos rugidos do leão, provoca calafrios sem muita dificuldade. Nós estamos cada vez mais encrencados.

Vamos até os quartos e trocamos de roupa. Daniela pega uma calça jeans beje, uma blusinha de alça lilás e bota de cano alto marrom. Ricardo pega uma calça camuflada branca e cinza, uma camisa verde e sapatênis verde e preto. Eu escolho uma regata preta, um jeans mais solto e coturno preto.

Voltando a sala, um chiado nos chama atenção.

- O que foi isso? – pergunta Daniela.

- Acho que... – diz Ricardo, enfiando a mão por baixo da camisa, tirando o Walk Talk que trouxe do jipe. – Acho que foi isso aqui.

Mexendo em alguns botões, o garoto consegue estabelecer uma freqüência.

- Câmbio... aisquer sobreviventes... não tenham piedade... infectados... na entrada das cida... horas... vo beta...

É impossível ver coerência nas palavras. A transmissão está péssima. Nenhum de nós entende. Ricardo senta no carpete e mexe em todos os botões do aparelho. Quem sabe ele tem sorte. O cansaço me domina e logo sinto meus olhos pesarem. Quando estou quase inconsciente, o grito de Daniela me acorda.

- Daniela!

Entro por um dos corredores e a vejo caída de joelhos na porta do banheiro. Há uma poça de sangue no chão. Em alguns pontos o líquido se mexe discretamente, como se algo caminhasse sob ele.

- O que aconteceu?

- Não sei... – diz ela, tremendo. – Eu... fui ao banheiro e... quando saí... senti uma dor insuportável na... cabeça.

- E esse sangue? – pergunto, e tenho a resposta logo em seguida, quando Daniela cospe mais sangue.

Olhando para as próprias mãos trêmulas, ela fala baixo.

- O que tá acontecendo comigo?

Por uma fração de segundos, tenho a impressão de ver suas veias dilatarem nos braços, como se algo caminhasse por elas. Daniela desmaia no mesmo instante. Corro até ela e tento reanimá-la, mas é em vão. Olho seus braços e não vejo nada anormal. Carrego-a até um dos quartos e deito-a na cama. Dou uma última olhada antes de sair. Chegando a sala, Ricardo continua mexendo no aparelho.

- O que ela tem? – pergunta, sem levantar os olhos.

- Não sei. Ela estava sangrando pela boca. – explico, sentando no sofá. – Não tenho certeza, mas acho que vi... Não, não vi nada. Ela só deve estar se sentindo mal por causa do cansaço. Espero que ela fique bem.

Ricardo não responde. Parece concentrado na geringonça.

Olho em direção a janela e vejo o sol baixo. Que horas são agora? Deito-me e fecho os olhos. Nem é preciso contar carneirinhos, pois o sono chega logo.



♦ ♦ ♦



Abro os olhos e ouço gritos. A dor nas costas me faz estremecer. Olho pra cima e vejo a janela do escritório por onde caí. Por sorte esses sacos de lixo amorteceram a queda. E Juliana?

Levanto rápido e olho ao redor. Vejo algumas pessoas correndo ao longe, fugindo de outras. Cadê a polícia nessa cidade? Por falar nisso, cadê os funcionários do Posto? Não sei que horas são, mas pelo sol no alto, já devia estar cheio aqui. Aliás, como ninguém me encontrou caído aqui? As pessoas realmente não se importam mais com as outras hoje em dia. Ou acharam que eu era um mendigo, dormindo no lixo.

Um clarão me faz lembrar da noite passada. O ataque do Sr. João, o guarda noturno morto, Juliana e eu fugindo pelo escritório, a queda. O que aconteceu?

Caminho até a loja, onde trombo com um cara alto e magro, de aspecto amarelado. Olha-me ameaçador e eu revido, sem abaixar a cabeça. Posso ver suas olheiras fundas ressaltando no rosto magro. O tribal tatuado no braço esquerdo lhe dá um ar de bandido. Logo depois, mais dois rapazes saem da loja.

- Vam’bora daqui, Amarelo! Eles podem aparecer sem a gente perceber.

- Fica esperto, rapá! – diz o tatuado, quase encostando o nariz no meu rosto, o qual encaro.

Logo em seguida, os três viram a esquina e somem.

Entrando na loja de conveniência pela porta arrombada, constato que os marginais a saquearam. Onde está todo mundo? Que diabos está acontecendo aqui? Pelo vidro vejo um carro atropelando uma senhora, que voa longe, batendo contra uma árvore. Cinco pessoas perseguem o carro, parecendo fora de si. Encosto a porta e vou até o telefone no caixa. Ligo pra casa. Ninguém. Ligo pra alguns amigos. Nenhum deles atende. Pego meu celular no bolso da calça e descubro dezenas de ligações perdidas. Ligo de volta, mas nenhuma atende.

Olho de novo pelo vidro e sou surpreendido por um homem se jogando contra o mesmo, tricando-o. Corro pela loja e chego à cozinha, indo direto para o depósito. Puxo um dos freezers e bloqueio a porta. Subo no outro, próximo a porta dos fundos e alcanço a passagem de ar logo acima. Abro-a e com um impulso a alcanço, passando pro lado de fora. Sorrateiro, vou até a esquina e vejo sangue por toda parte. Perto da bomba de gasolina, sobre o caixa dos frentistas, encontro um pé-de-cabra. Melhor que nada. Corro até a praça ao lado, mesma praça onde treinei Parkour há alguns meses. Um gosto amargo invade minha boca quando vejo vários estranhos saindo de trás das árvores e vindo atrás de mim, grunhindo. O que deu nesses malucos?

Corro o máximo que consigo e viro rápido em direção ao Mercado Principal. Eles me seguem decididos. Preciso pensar rápido. Chego à parte de trás do local e entro por um corredor, com os loucos em meu encalço. Virando logo em frente, bato o pé na parede e me impulsiono pro outro lado, agarrando-me na borda do muro e subindo antes que eles possam me alcançar. Em segurança, olho pra baixo e vejo-os com os braços em minha direção. Não dizem palavras, apenas emitem um som estranho. Parecem animais. Levanto-me e percorro o muro até o outro lado. Eles até tentam me seguir, mas um portão trancado os detém. Desço e continuo correndo. Minha meta é chegar em casa.



♦ ♦ ♦



O chiado alto do Walk Talk me acorda, assustado. Vejo Daniela sentada na poltrona em frente, me olhando, e Ricardo no apoio do mesmo sofá que eu.

- Você está melhor, Daniela? – pergunto, bocejando.

Ela faz sinal de silêncio e me indica o aparelho nas mãos do menor.

- Código M2V1 liberado. Repito. Código M2V1 liberado. Entrem nas cidades e exterminem tudo e todos que encontrarem. Não deixem nada vivo, exceto o alvo beta. – ordena uma voz autoritária.

- Esperavam boas notícias? – pergunta Ricardo, fazendo uma careta.

- Há quanto tempo estão dando essa ordem? – levanto num pulo.

- Há alguns minutos. – responde Ricardo. - E que alvo beta é esse?

Corro até a janela e vejo os zumbis correndo até uma rua, onde há muito barulho. De repente, uma explosão. Muitos deles voltam correndo, em chamas. Daniela e Ricardo aparecem por trás.

- E agora?

- Trancados aqui somos alvo fácil. – deduzo. – Vamos sair rápido!

Abrindo a porta do apartamento com cuidado, verifico o corredor. Vazio e silencioso. Com passos rápidos, chegamos a escada e, no andar de baixo, ouvimos um barulho se aproximando.

- Droga! – praguejo. – Voltem!

Subimos de volta e escutamos gritos e tiros.

- Vão na frente que alcanço vocês! – digo. – Vou fazer uma coisa.

- Mas cara... – grita Ricardo.

- Vão!

Os dois seguem em direção aos andares superiores enquanto volto ao apartamento e corro até a cozinha. Pego uma caixa de fósforos e um vidro de álcool lacrado. Antes de sair, pego a mochila onde guardei o dinheiro que pegamos na Rodoviária. Saio correndo e chego ao corredor. Vou despejando o líquido na escada até o andar de cima, e acendo o fósforo. O fogo consome a escada. Pelo menos ali ninguém vai passar. Subo atrás dos dois. Chego ao telhado do prédio de nove andares, onde os vejo olhando pra baixo.

- Tiago, rápido! Tem uma escada aqui! – grita Ricardo, me chamando.

Corro até eles e vejo o caos nas ruas. Soldados por toda parte atirando contra os zumbis, jipes atropelando-os, metralhando por todos os lados. Uma verdadeira chacina. Desço os degraus rápido. Quero só ver o que faremos quando chegarmos lá embaixo. As janelas ao lado da escada são violentamente quebradas, por onde os zumbis tentam nos alcançar. Nos desvencilhamos de alguns e continuamos descendo.

Faltando três andares para alcançarmos o solo, ouço um grito.

- Tiago, pula!

Olho pra baixo e vejo Daniela saltando. Ricardo já está lá embaixo, se levantando. Na rua, um tanque de guerra mira seu canhão em minha direção, e atira. Pulo e evito ser explodido junto com a escada e parte do prédio. Caio sobre uma pilha de lixo e me ralo um bocado. Levanto rápido - e zonzo - a fim de evitar ser esmagado pelos destroços da explosão. Chegando a rua, recuamos quando ouvimos alguém gritar.

- Eles estão ali no beco!

O canhão aponta em nossa direção, e nem esperamos o outro tiro. Passamos por cima da pilha de lixo e atravessamos o quarteirão, chegando a outra rua. Ninguém.

- Vamos! – digo, indo na frente.

Os tiros dos soldados que aparecem na esquina nos faz correr como demônios pro outro lado da rua, entrando no beco adiante. Ouvimos os tiros perto, seguidos de gritos de ordem. Querem nos exterminar, estejamos bem ou não. Corremos por mais três ou quatro quadras, não há tempo pra contar.

Entramos em uma loja de armas pela janela arrombada. Não há uma arma sequer sobrando. Os saqueadores foram mais rápidos. Corro até o caixa e o revisto. Encontro um molho de chaves e jogo pra Daniela, que pega no ar, e corre pra porta dos fundos.

- Tem um carro aqui!

Pego o dinheiro da gaveta, guardo-o na mochila e a levanto, encontrando um revólver. Está carregado. Vou com Ricardo por onde Daniela saiu e a vemos dar partida no Corsa preto estacionado. Com o portão já aberto, saímos. Daniela pisa fundo e segue em frente, onde um jipe aparece e nos persegue. O mais estranho é que não atiram, apenas nos seguem enquanto Dani mantém a velocidade. Miro pela janela com o revólver e disparo. Acerto vários tiros na para-brisa e na capota. É difícil ter uma boa mira, mas consigo acertar em cheio no pneu dianteiro após quatro tiros, fazendo o jipe capotar, lançando os soldados longe. Em alta velocidade, Daniela se concentra na direção, fazendo curvas fechadas e rápidas, fugindo dos soldados que nos veem e decidem que temos que morrer. Entramos em um beco sendo perseguidos por outro carro. Saindo do outro lado, atropelamos um aglomerado de zumbis. O sangue escorre pelo vidro. A perseguição continua por mais algumas quadras, onde Daniela atropela mais alguns deles e desvia dos carros batidos. Avisto um veículo tombado próximo a uma árvore. Quando o jipe passa perto do mesmo, miro no tanque e mantenho até estarmos mais afastados, atirando. O carro explode próximo aos nosso perseguidores, fazendo-os perder o controle e bater do outro lado.

Mais a frente, chegamos perto da Rodoviária. Continuamos e vemos que ninguém está nos seguindo. Nesse momento, o Walk Talk chia novamente.

- Peguem o alvo beta vivo! Matem os outros.

Ricardo e eu nos olhamos, sem entender. Daniela permanece focada na fuga.

Chegamos aos limites da cidade, onde a barricada é vigiada por dois soldados. Eles continuam parados esperando-nos, mas quando vêem que não somos do seu grupo, apontam os rifles em nossa direção. Eu despejo a bala restante contra eles, acertando um no peito. O outro se mantém parado, mas somos mais rápidos, destruindo a entrada de madeira e atropelando-o. Numa derrapada, Daniela entra na estrada, rumo a Capital.

- Porra! – grito, gargalhando. – Depois dessa, a gente não morre mais!

Todos riem nervosos. Parece que meu coração vai sair pela boca.

No restante do trajeto não encontramos nenhum obstáculo. Passamos longe das entradas das cidades infectadas e, quando vemos que atingimos o limite da catástrofe, nos mantemos na estrada principal.



♦ ♦ ♦



Três horas depois, chegamos em São Paulo. Com metade do corpo pra fora do veículo, limpo o sangue do para-brisa.

Está amanhecendo, mas a Marginal Tietê encontra-se repleta de carros. Pessoas indo trabalhar, outras voltando pra casa. Mendigos infestam os viadutos. Em minhas viagens quando minha vida ainda era normal, São Paulo era minha cidade preferida. A conheço o bastante pra saber onde ir. Indico a Daniela alguns caminhos e uma hora depois chegamos ao Centro. Paramos pra comer em uma padaria e não trocamos uma palavra. As pessoas nos olham intrigadas. Não as culpo. Nossa aparência não deve ser das melhores.

Depois, seguimos direto pra um pequeno hotel. Barato e confortável. A senhora que nos atende se choca com nosso estado, um tanto sujos. Pagamos a estadia e seguimos para o quarto, no segundo andar. Ricardo e eu caímos na espaçosa cama de casal e Daniela deita na de solteiro, ao lado. Apagamos.



♦ ♦ ♦



Quando acordo, é noite. Daniela continua dormindo. Mas onde está Ricardo?

Espreguiçando-me, levanto e vou ao banheiro. A porta está entreaberta. Aproximo-me e vejo Ricardo apoiado na pia, olhando no espelho.

- Rick! – abro a porta lentamente. – Você tá bem?

Ele não responde, apenas se mantém olhando fixamente pro espelho. Caminho até ele e, incrédulo, vejo seu reflexo. As veias de seu rosto parecem mover-se sob sua pele, enquanto seus olhos reviram, tornando-se brancos.

- Caralho! – grito.

Num repente, ele cospe sangue no espelho. Limpando a boca com as costas da mão, vira-se devagar.

- Cara... Eu não tô me sentindo bem! – e vacila, mas eu o seguro, evitando que ele caia.

- O que houve?

- Não sei. – diz, enquanto o levo pro quarto. – Eu pensei que fosse vomitar e corri pro banheiro. Então, senti meu sangue ferver e vi minhas veias estufando. Achei que fosse morrer.

- Você vai ficar legal. – e o tiro do banheiro.

Ajudo-o a se deitar. Ele adormece rápido.

Isso significa que não foi impressão o que vi em Ribeirão Preto. Aconteceu o mesmo com Daniela. Mas o que é isso? O que há com eles? Será que estão doentes? Estarão infectados?

Tomo um banho quente e demorado. Como eu precisava disso! Achei que nunca mais me livraria dessa sujeira toda. Coloco a roupa e saio, indo até uma lanchonete próxima e peço uma refeição rápida: arroz, feijão, bife com queijo e fritas, e um suco de laranja. Como devagar, saboreando cada garfada. Chego a suspirar sentindo meu estômago encher.

De repente, vejo o dono do estabelecimento me olhando de um modo estranho. Tento ignorá-lo, mas alguns clientes olham-me do mesmo modo. Um deles desvia o olhar de mim e se vira pra TV, no alto. Sem entender, olho também. Faço força pra não engasgar.

Na TV, o noticiário anuncia.

- Procura-se esses três indivíduos, com vida. Oferece-se recompensa. Mas cuidado: eles são extremamente perigosos. Repito. São extremamente perigosos!

Uma foto mostra Daniela, Ricardo e eu.

 
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17 mordidas:

Juão disse...

"E o mundo inteiro será infectado"

happy ending


esperando anciosamente o resto do conto
equanto isso "celular" do king para nao sair do clima infernal

1 de setembro de 2008 às 20:07
Unknown disse...

muito bom,perfeito,esperando a continuação e tomei a liberdade de fazer alguns storyboards imaginando essa historia sendo passada nas telonas,hehehehe

2 de setembro de 2008 às 06:02
Kinder disse...

kraio muito foda xD
faz logo a continuação,sinão vc vai morrer de AIDS =B

4 de setembro de 2008 às 01:35
Tiago Toy disse...

Oo'

4 de setembro de 2008 às 07:10
Anônimo disse...

lol.. Imagino o que possa ser essa ''cospição'' de sangue ._. ... Provavelmente algo haver com os ''exames de sangue''

16 de setembro de 2008 às 04:19
Tayná Tavares disse...

vou chutar uma teoria pra esses ataques, imagino que o povo lá da abigail tenha feita exames neles, e depois de muito vomitar ou qualquer outro efeito colateral, vão virar "zumbis fodões" igual a Alice em Resident Evil XD

17 de fevereiro de 2009 às 06:10
Bodones disse...

vitor ameaçando o toy UHSDAUHDSAHUDASHUDASHUSADU ;x

17 de fevereiro de 2009 às 17:31
Anônimo disse...

Caraka mano
A historia ta cada vez melhor.
Vou Indicar pros meus amigos.
Vlw Tiago Toy

19 de fevereiro de 2009 às 00:04
Anônimo disse...

pra quem ñ sabia pegar um pegar uma arma o tiago ta ta com muita precisão no tiro, acerta na testa no tanque de combustivel, no peneu em zigue zague

29 de maio de 2009 às 07:41
ErickTavarez disse...

O cara morrer lá foi sacanagem, pedir ajuda e depois morrer, que cuzão!
Uma coisa sem noção foi ele dando uma de atirador profissional. Pensei que ele não soubesse atirar, mesmo que ele tenha aprendido do pior jeito, essa mira é extraordinária (efeitos dos exames?).

Agora, essa coisa de virar zumbis fodões é viagem, ficaria estranho, eu acho.

14 de julho de 2009 às 14:38
Anônimo disse...

ficou meio hollywoodiano de mais essa parte,mas legal...

28 de janeiro de 2010 às 02:00
~Lobo disse...

Pow, é mesmo, espero que não estraguem a historia com mutações zxumbis, torna o conto chato

6 de março de 2010 às 18:01
Anônimo disse...

acho que tu viajou um pouco na história do leão, né. e as unhas dele são de adamantium pra conseguirem rasgar o teto do carro?

25 de março de 2010 às 20:48
Tiago Toy disse...

Eu ri muito com os comentários aqui. Após dois anos de ter escrito essa história, percebo que hollywoodianei alguns trechos, realmente. Mas agora, relendo e estando a pouco de lançar o livro de TM, e tendo o texto passado por várias revisões e alterações, as unhas de adamantiun (hahahaha) e a mira de atirador profissional não existirão mais. Outro ponto retrabalhado é a maneira como o trio consegue entrar em SP tão facilmente. Terão ajuda? Só no livro vocês saberão, haha.

Abraços.

17 de março de 2011 às 22:40
Pedro Henrique disse...

quando o livro sair divulga aki no site eu preciso comprar esse livro ta muito bom e o leão tava sinistro mesmo(hahahaha)!

9 de agosto de 2011 às 22:52
Tiago Toy disse...

Sejam bem-vindos novos infectados, e aos antigos, espero que continuem sobrevivendo.

Grande abraço!

PS: talvez o leão retorne no próximo livro...

6 de julho de 2012 às 23:48
Anônimo disse...

hhaha, cada vez melhor !

10 de janeiro de 2013 às 01:10

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