[Terra Morta RPG] Capítulo 17 - Willer
O algemaram ao lado do rapaz inconsciente.
Não
se lembrava ao certo do por que de ter decidido ir até a delegacia. Todo o que
recordava era de ter invadido uma farmácia quando a caminho dali, onde enfaixou
o ferimento no braço e roubou alguns remédios para tentar aplacar a febre e a
dor.
As
vertigens, embora passageiras, tinham se tornado amigas constantes. Suava frio
a todo momento, e por vezes viu-se acometido por ataques momentâneos de raiva,
sem que tivesse qualquer motivo para tal. A fome também era sua companheira,
sim, sempre crescendo e ficando mais forte, mais implacável. Sempre presente.
Estavam
sozinhos, ele e o cara ao seu lado. Não entendera de todo o que havia acontecido,
mas o vira ameaçando o grandalhão no momento em que entraram naquela sala, após
terem-no interceptado nos corredores da delegacia. O rapaz tentou atirar, mas
descobriu tarde demais que a arma estava sem munição. Foi espancado logo em
seguida, e poderia jurar que o outro o teria matado se não fosse pela intercepção
da morena. Ainda assim ele desmaiou, e o algemaram logo em seguida.
Olhou
para o lado. O outro tinha a cabeça pendida por sobre o ombro esquerdo, o rosto
virado em sua direção. Seu nariz, quebrado, estava roxo e bastante inchado.
Tinha um corte na testa causado pelo primeiro golpe da espingarda, e o sangue
havia lhe escorrido pelo rosto.
Sua
aparência era de dar pena. Não mais que a minha, aposto.
Sentiu
uma pontada de dor no braço, e de repente o sangue voltou a escorrer através da
bandagem. Faz cócegas. A vista foi se nublando aos poucos, e por um momento
pensou que também fosse desmaiar. Então ouviu um risinho ao seu lado, e quando
virou o rosto em busca da origem do som, seus olhos se encontraram com o de sua
irmã caçula.
–
Por onde esteve, Mel? – Perguntou, e ficou surpreendido com como a sua voz
estava fraca. – Quero que me espere na casa da tia, está bem? Logo, logo irei
te buscar.
Ela
sorriu. Um sorriso doce e inocente daqueles que somente ela, no auge dos seus
sete anos sabia dar. Não, não. Sete e meio, ela sempre me corrigia.
–
Não precisa se preocupar comigo, irmãozinho. Estou aqui agora, e em breve estaremos
novamente juntos.
Will
franziu o cenho.
–
Estaremos, é?
–
Sim – disse ela. – Mas agora, por que não vem comigo pra que possamos passear antes
que eu precise ir embora novamente?
–
Não posso, estou algemado.
–
Ah – ela não demonstrou surpresa. – O seu braço dói?
O
tempo todo.
–
De vez em quando – mentiu.
Os
olhos de Mel se arregalaram, e ela hesitou um pouco quando estendeu a mão para
tocar nas bandagens sujas de sangue. Um toque gelado, ele percebeu. Tão frágil.
–
Está doendo agora?
–
Não – Will respondeu, e então percebeu que, de fato, não sentia mais dor. – Não
agora.
Mel
voltou a sorrir, e lhe deu um beijo em uma das bochechas. Então seu rosto se dissolveu,
bem diante de seus olhos, e quando deu por si estava novamente sozinho, algemado
junto à cama de seu quarto. Estou em casa. Talvez se eu fizer as coisas
diferente, dessa vez consiga escapar e evitar tudo o que me aconteceu. Mas
quando olhou para o braço, viu a gaze que o envolvia se soltar, e um fedor
podre e nauseabundo lhe preencheu as narinas quando o ferimento foi exposto.
Estava preto de sangue, recheado de vermes gordos que se contorciam enquanto
abriam caminho através de sua carne. Sangue e pus vazavam juntos pelas bordas
da mordida, deslizando por seu braço e deixando longos riscos vermelhos e amarelos
por onde passavam.
Willer
gritou. Gritou alto. O mais alto que pôde.
A
porta do quarto se abriu, e por ela entraram o grandalhão barbado e a moça morena.
Ela trazia um pequeno canivete nas mãos, o qual encostou em sua garganta quando
se agachou ao lado.
–
Cala essa boca – ela cuspiu as palavras. – Por que está gritando?
–
Os vermes! – responde ele, e com um aceno indicou o braço enfaixado. – Tire os
vermes dali, eu lhe peço. Tire-os!
A
morena o encaro, confusa, e levou uma das mãos até sua testa.
–
Está ardendo em febre – ela se virou para o grandalhão. – Fred, não acha que é
melhor acabar de uma vez com o sofrimento dele?
O
grandalhão, Fred, deu uma risada.
–
Não mesmo – disse. – Vamos precisar deles amanhã, quando formos sair daqui. Foi
sensata em me fazer poupar a vida desse outro, tenho que admitir. Edmar, o nome
dele, não é? – a morena acenou com a cabeça. – Se formos atacados, são esses
dois quem serão devorados enquanto fugimos.
–
É mais provável que esse um nos devore. Ele foi mordido, Fred. Sabe muito bem o
que acontece com quem é mordido. Duvido muito que ele dure até amanhã.
Sim,
logo vou me tornar um deles. Sabia que a moça tinha razão. Ele próprio duvidava
que conseguiria acordar no dia seguinte. Mel disse que logo estaremos juntos de
novo. Não preciso me preocupar. Aquilo o fez sorrir.
Antes
que Fred pudesse dizer qualquer coisa, ouviram um gemido ao lado de Will. Ele
também se virou para ver o tal Edmar despertar. Ainda estava aturdido, e olhou
ao redor sem aparentar reconhecer qualquer um deles.
–
Sharlene? – chamou ele. Então era esse o nome da morena. Exótico.
–
Aproveitou o sono de beleza, Bela Adormecida? – Fred se aproximou, o suficiente
para poder olhar Edmar nos olhos. – Se quiser posso te colocar pra dormir mais
uma vez.
Sharlene
foi até Edmar e se agachou ao seu lado.
–
Calma, garotão. Não se esforce demais.
Will
a viu sorrir e aproximar os lábios do ouvido de Edmar, mas por mais que
tentasse se concentrar, não conseguiu ouvir o que ela lhe murmurava. Então
Sharlene se levantou, o sorriso ainda estampado no rosto, e virou-se para
encarar Fred.
–
Mas que merda foi essa? – ele rosnou, a vermelhidão lhe subindo pelo pescoço conforme
sua raiva crescia. – O que foi que você disse para ele, cadela?
A
mulata parou bem diante do outro.
–
Te vejo no inferno, Fred.
Só
então Will reparou que ela ainda segurava o canivete. Sharlene agiu depressa, e
Will assistiu a lâmina deslizar para dentro do pescoço de Fred antes que ele
tivesse a chance de fazer qualquer coisa para se defender. O sangue esguichou
no rosto da mulata, e ela recuou quando o homenzarrão tentou alcançá-la, a boca
escancarada num grito mudo e vermelho enquanto se afogava no próprio sangue.
Fred tombou de joelhos. Seus olhos arregalados não desgrudaram dos de Sharlene
num momento sequer, mas antes mesmo de tombar para o lado estava morto.
Sharlene
apoiou um dos pés no cadáver e, com frieza, puxou o canivete. Uma ultima
golfada de sangue acompanhou a lâmina para fora do pescoço. Sem dizer palavra,
a mulata vasculhou os bolsos de Fred até que encontrasse a chave das algemas,
então voltou para junto de Edmar.
–
Você é louca – disse ele, visivelmente chocado com o que acabara de presenciar.
–
Eu sei – Sharlene levou as mãos até o rosto de Edmar, e quando seus dedos roçaram
o nariz quebrado um guincho de dor escapou pelos lábios do rapaz. – Isso vai
doer, garotão.
E
antes que ele pudesse responder, ela forçou o aperto. O grito de Edmar ecoou
pela sala, tão alto que fez com que Sharlene lhe tapasse a boca. Seu nariz voltou
a sangrar, e por um momento Willer pensou que o rapaz voltaria a desmaiar.
Quando
Sharlene o libertou, teve de se apoiar na morena para que conseguisse se manter
de pé. Ela retirou um pequeno lenço de pano de um dos bolsos e o ajudou a
limpar o sangue do rosto. Quando terminou, o lenço estava úmido e vermelho.
Jogou-o fora.
A
Will pareceu que Sharlene nem ao menos se lembrava de sua presença ali. O mais
provável é que esteja fingindo que não se lembre. Então pigarreou, fazendo-se
notar.
–
Quem é esse? Edmar se esforçou para perguntar.
–
O visitante de mais cedo – Sharlene tratou logo de responder. – Ele foi
mordido. Acho por bem que eu o mate agora, antes que se transforme numa
daquelas coisas e nos coloque em risco – olhou para Edmar, como que esperando
uma confirmação.
Já
suspeitava que fosse chegar naquele ponto.
–
Não – viu-se dizendo. – Por favor, só peço que me liberte. Estou ciente do que
vai me acontecer, sim, mas por favor, me deixe ir.
A
mulata não desviou o olha num só segundo enquanto ele falava. Tinha o destino
de Will nas mãos, e parecia estudá-lo para saber se valia ou não a pena ceder
àquele ultimo apelo.
–
Liberte-o – ouviu Edmar dizer.
–
Se ele vier conosco, estaremos em risco – Sharlene protestou. – Quem sabe
quando vai se transformar e tentará nos matar?
Aquela
era sua brecha.
–
Não quero ir com vocês. Tudo o que peço é que me deixe ir, pra que eu possa
partir e... morrer sozinho.
Demorou
um longo e tortuoso momento até que ela consentisse, por insistência de Edmar.
Quando Will se viu novamente livre, surpreendeu-se com o quão trêmulo e fraco
estava seu corpo. Sentiu a vertigem vindo lhe fazer uma visita, e se apoiou na
parede para que não reparassem no quanto de esforço aquilo lhe custava.
Não
posso deixar que vejam minha fraqueza.
Agradeceu
a Edmar antes de partir, mas à Sharlene limitou-se em se despedir com um aceno.
Os olhos mortos de Fred o acompanharam enquanto se dirigia para o corredor, e
então refez o caminho pelo qual havia entrado na delegacia.
Mel
o esperava do lado de fora.
–
Mel? Achei que tivesse partido.
Ela
sorriu. Willer olhou ao redor em busca de qualquer sinal de perigo. Agora que
Mel estava ali, precisava ter cuidado redobrado para que não a colocasse em
perigo. Não viu nenhuma daquelas coisas por perto, então se virou novamente
para a irmã. Segurou-a pela mão.
–
Podemos passear um pouco agora, irmãozinho?
–
Sim – disse ele. – Agora podemos.
O texto acima não tem qualquer vínculo com a história original de Terra Morta e nem foi escrito por Tiago Toy. É uma adaptação do RPG mestrado no Orkut por Luan Matheus, escrita pelo próprio.
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