Registros Secretos de Serra Madrugada [PROJETO SLENDER]
Até o presente momento não posso afirmar qual a verdadeira origem da lenda de Slender Man. A mais forte delas justifica o surgimento da criatura em 2009, no site Something Awful, pelo usuário Victor Surge (o nome real é Eric Knudsen), como fruto de um concurso com roupagem de trote viral. A proposta: manipular fotos normais inserindo algo assustador e espalhar por fóruns virtuais na tentativa de fazer os desavisados acreditarem ser algo real – ou ao menos iniciar discussões sobre. Basta plantar a semente da dúvida, e o resto estará feito.
De acordo com a “criação de Victor”, a primeira aparição de Slender teria ocorrido em 1986, quando misteriosos desaparecimentos foram vinculados à sua imagem. As fotos em preto e branco foram parar no site 4chan, com um farto acervo de imagens, e foi onde a coisa toda ganhou força. Relatos de pessoas que já haviam tido experiências envolvendo a sinistra figura brotaram de todos os cantos. Não desacredito de nada. A mente nos dá poder para criar o que quisermos. Se dizem que o viram, que assim seja.
Outra fonte conta a origem de Slender com mais seriedade. Antes mesmo do concurso, criaturas parecidas eram citadas, especialmente em um caso ocorrido no Cane Hill Hospital, um asilo psiquiátrico no sul de Londres. Nos anos 1980, a instituição iniciou sua decadência, até fechar as portas em 1991. Agora, me acompanhem: asilo antigo é fechado e abandonado. O que sai daí? Dez pontos para quem disse “fonte de histórias sobre assombrações”. Não demorou para o local atrair visitantes em busca de aventuras sobrenaturais. Em 2012, algo no mínimo curioso chamou atenção: durante uma visita, uma imagem surgiu na parede de um dos quartos; uma criatura bastante semelhante ao Slender Man. Deduziu-se que o desenho foi feito por um dos pacientes, transmitindo através dos traços uma figura que povoava seus pesadelos. Ninguém soube dizer se a imagem foi feita mesmo em um passado longínquo ou recentemente.
Mito ou não, hoje Slender é uma das lendas sobrenaturais mais influentes no mundo.
Desenho encontrado no Cane Hill Hospital |
Como não poderia deixar de ser, ideias nasceram de mentes criativas e a história foi aproveitada em mídias populares, a mais bem sucedida delas sendo o jogo independente Slender: The Eight Pages, desenvolvido pela Parsec Productions. O sucesso foi tão grande que os direitos foram comprados pela Blue Isle Studios e, em parceria com a produtora original, nasceu a sequência, Slender: The Arrival, com gráficos de longe melhores, mas inferior ao primeiro em questão de amedrontar o jogador. Isso é o que li, então não acredite em mim e vá tirar sua própria conclusão. Uma confissão: tenho Slender (The Eight Pages) instalado no notebook e tentei jogá-lo uma vez, para nunca mais. É simples, tem gráficos humildes e ausência total de trilha sonora (exceto por sons naturais), mas consegue expulsar a merda de dentro de você (adoro essas expressões norte-americanas traduzidas).
Que haveria um filme pegando carona na história ninguém duvidava. O que ninguém sabia é que os responsáveis pelo feito seriam brazucas, gente como a gente. O nome do projeto é Registros Secretos de Serra Madrugada, e vale – como vale – a conferida.
Criado pela curitibana Chernobyl Milk Company com apoio da Livraria Cultura e do site Baixaki, o mockumentary investigativo brasileiro conta a história de um grupo de jovens (Mariana Ayres, Gabriel Soto Bello, Homero Meyer, Tessália Serighelli, Paulo Zanon e Matheus Zimmer) que resolvem investigar uma série de estranhos desaparecimentos na região de Curitiba, e claro, por que não?, poderiam estar relacionados ao “Homem Esguio” (tradução para Slender Man). A viagem se torna um erro quando, ao se afastar da cidade, eles acabam perdidos em uma região chamada Serra Madrugada. Intrigas, acusações e brigas são apenas os primeiros obstáculos enfrentados pelo grupo na noite derradeira. Resultado do estresse ou influência de algo, ou alguém, oculto?
Tento não ser assim, mas não consigo evitar. Antes de ver o filme, já esperava por porcaria. Talvez pelo fato de tantas decepções recentes no gênero terror, não esperei nada do trabalho independente além de passar o tempo. Pouco mais de quarenta minutos de duração não seria uma tortura. O pior que poderia acontecer era cansar e fechar a janela do Youtube – sim, o filme está disponível “de grátis” para quem quiser ver.
Há mais acertos do que erros.
Como todo mockumentary que se preze, este começa com a mensagem: "As imagens a seguir foram cedidas por uma fonte que não quis ser identificada. Segundo as autoridades, a região denominada "Serra Madrugada" não existe”. Em seguida, passa para a gravação distorcida de alguém correndo na escuridão, com lampejos e respiração ofegante, e então corta para uma conversa dentro do carro entre os personagens, se preparando para a viagem.
A atuação foi bem criticada, e não entendi o motivo. Não temos nenhum Tom Hanks ou Natalie Portman aqui, mas nenhum dos atores compromete o todo. Talvez em momentos de tensão fosse requerido um maior empenho de alguns, mas considerei os atores bem naturais. As falas são dinâmicas, sem aquele tom de “Olá. Como vai, Fulano? Vamos então para a nossa viagem? Oh, que excitante”, se me entendem. A linguagem é jovem e casa bem com a turma que nos é apresentada. Desconfio que o roteiro não tenha sido seguido à risca, e houve improvisação nas conversas em diversas partes, o que ajudou na concepção mais realista.
Por falar em roteiro, este é simples e direto. Não se perde em explicações e situações para encher rolo e vai certeiro ao ponto; claro que depois de trabalhar o suspense de forma (exagero meu?) profissional. Os personagens são distintos e suas personalidades fogem dos típicos “loira burra”, “mocinha virgem”, “valentão”, “nerd”, e por aí a lista segue. Como eu disse, são gente como a gente. Nada forçado, nem ensaiado demais. On point.
A direção está na mão de Homero Meyer, também responsável pelo roteiro, e o que se traduz do resultado final é um trabalho de equipe. É difícil imaginar um projeto desses sob a direção de apenas uma pessoa. Posso apostar que todos os envolvidos não são apenas profissionais trabalhando, mas amigos se divertindo; nada mais natural do que uma troca de opiniões visando a melhor forma de chegar a uma conclusão satisfatória. O entrosamento que vemos em tela sugere que exista também atrás dela.
Infelizmente, o ponto negativo vem de algo que é o mais aguardado: o Slender em si. Fiquei mais tenso na construção do suspense do que no clímax de fato, na aparição borrada da criatura. Um exemplo de como menos é mais vem daquele-que-não-deve-deixar-de-ser-citado em textos sobre mockumentaries, o amado e odiado A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999). O suspense cresce gradativamente e imaginamos como será a bruxa e se ela aparecerá em algum momento. O que vemos é nada. Absolutamente nada. E aí está o acerto. Mais uma vez, nossa imaginação pode criar as coisas mais inimaginavelmente assustadoras.
O Slender aparece envolto nas sombras, com a imagem da câmera trêmula, mas é possível vê-lo, e é quando algo cai. Não sei precisar o que, se a tensão ou algo mais, mas cai. Não acaba o interesse, pelo menos, mas a sensação que tomava conta do peito até momentos antes dele surgir não volta mais. Resumindo: é um cara com uma meia na cabeça.
O sangue foi outra decepção: por sua aparência e por ter aparecido. Primeiro, não lembrava nada em sangue além da cor (e nem esta se assemelhava muito de tão aguada). Segundo, porque o balde de “sangue” (aquele jato não pode ter vindo de outra coisa senão um balde) pareceu apelação para criar algo que já havia sido conquistado apenas com uma ótima edição, a fotografia certa e o suspense exato. Litros de sangue são menos eficientes do que um sapato deixado para trás. Ponto negativo.
Poderia dizer que a duração é um pecado, mas senti que a história foi bem contada, e pronto. Adoro filmes longos, cheios de situações e reviravoltas, mas também gosto dos que me permitem relaxar por um tempo reduzido, uma experiência despretensiosa. Para mostrar a que veio e se fazer conhecido, o filme é um bom começo. Estou definitivamente curioso para conhecer os futuros projetos de Homero.
Vale um parágrafo para aplaudir a equipe do site Baixaki e da Livraria Cultura pelo apoio ao projeto. Conforme li em algum lugar, “o sucesso vem de onde há mais risco”. Acredito que os responsáveis por liberar as verdinhas tenham sentido receio, mas o sentimento não foi mais forte do que a crença no talento de Homero e, claro, dos atores e toda a equipe, e o ato já é por si só digno de parabéns. O mercado independente tem grandes talentos escondidos esperando para ascender. Acredito que quem quer faz acontecer, não fica esperando, mas uma ajudinha financeira é sempre importante e bem vinda.
Você pode assistir Registros Secretos de Serra Madrugada abaixo. Dicas: apague a luz, use fones, e assista na qualidade máxima. Não vai mudar sua vida, não vai te deixar com medo antes de dormir (ou talvez vá), mas serão 42 minutos bem aproveitados. Depois vai de você acreditar se a história por trás da lenda é mito ou realidade.
Quem pode garantir com certeza?
Elenco
Mariana Ayres (facebook.com/maari.ayres)
Gabriel Soto Bello (@sotobello | facebook.com/gabrielsotobello)
Homero Meyer (@homeromeyer | facebook.com/homeromeyer)
Tessália Serighelli (@Tes2alia | facebook.com/serighelli)
Paulo Zanon (@paulozanon | facebook.com/paulozan0n)
Matheus Zimmer (@theus___ | facebook.com/matheus.zimmervoltolini)
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Colaboração
Thiago Moura (facebook.com/thiago.moura00)
Eduardo Karasinski (@edukara | facebook.com/edukara)
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Eduardo Karasinski (@edukara | facebook.com/edukara)
Roteiro e Direção
Homero Meyer
Homero Meyer
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