Entrevista exclusiva com Tiago Rodrigues, o sobrevivente de Terra Morta

É fim de tarde.

Entre um pulo e outro, conseguimos que Tiago Rodrigues nos concedesse uma entrevista rápida, dentro de uma casa abandonada, com cheiro de mofo e algo estragado vindo do interior de uma geladeira tombada. Passos são ouvidos do lado de fora, gritos ao longe. Tiago não se sente à vontade em nenhum momento, então preferimos começar sem rodeios antes que ele saísse correndo em sua eterna fuga.


De que mais sente falta, Tiago?
Minha mãe. Amo meu pai, mas nunca tivemos um contato forte. Ele vivia viajando.

Quais eram seus planos para o futuro antes da pandemia acontecer?
Nunca tive planos muito concretos.

Quais são agora?
É difícil traçar um plano mais profundo do que sobreviver para chegar ao dia seguinte. Acho que só vou conseguir pensar na vida, e não na sobrevivência, quando e se isso acabar.

O que você pensa sobre os infectados?
Não tive tempo para analisá-los em detalhes. Digo, estou nessa há um tempão, mas a necessidade de correr sempre me impossibilita de olhá-los além do exterior. São pessoas, isso nunca foi uma dúvida, mas estão doentes e desviadas do autocontrole. Não posso esquecer deste detalhe, mas também não posso facilitar. Até mesmo pessoas sãs são capazes de maldade. Talvez eles tenham seus desejos mais obscuros mais aflorados do que a maioria.

Qual sua relação com Daniela?
Somos aliados, nada mais. Que outra relação teríamos?

Como foi sua infância?
Não consigo me lembrar com detalhes. Não tenho nenhuma lembrança ruim, mas também não guardo nenhuma extremamente boa. É como tentar enxergar algo através de uma cortina de fumaça. Meu pai diz que eu sofria de uma doença, uma espécie de asma que não era asma (nunca entendi isso muito bem).

Você parece uma pessoa muito individualista. É verdade?
Depende do ponto de vista. Sou prático. Não é aconselhável, principalmente nestes dias de caos, apoiar-se em terceiros. Você é o único em quem pode confiar.

O que te deixa feliz? E bravo? E triste?
Pensei que seria uma entrevista mais séria. Isso parece aqueles cadernos de perguntas de meninas na época da escola. Preciso voltar a correr...

Não, por favor! Mais uma: você evita contato direto com os infectados. Por medo ou precaução?
Ambos. Mesmo antes dessa merda toda acontecer eu já evitava brigas físicas. Não por medo de apanhar, mas por medo de perder o controle e passar do limite imposto por uma briga normal. Hoje é o mais sábio a fazer. Imagina levar uma dentada no braço e perder um pedaço de carne. Não deve ser uma sensação boa.

O que você tem que o leitor possa simpatizar e torcer por você?
Sinceramente não estou buscando simpatizantes ou uma torcida. Sou quem sou, cara. Acho que, sei lá, minha determinação.

Você já namorou? Nos fale de sua vida amorosa?
Não. Sou muito tranquilo quanto a isso. Nunca senti necessidade em tocar outras pessoas. Às vezes acho que sou brocha (risos forçados).

Você tem algum segredo? Pode contar?
Que pergunta! Desde quando segredos são para serem contados?

Quando você entra em uma sala, o que percebe primeiro? E segundo?
Primeiro me certifico de que não há nenhum infectado. Depois, se há alguma saída alternativa em caso de emergência.

O que você considera em si como mais forte? E qual sua fraqueza?
Meu ponto forte é minha independência. Fraqueza? Minha compaixão, mesmo que não a expresse.

Se você fosse mordido por um infectado, o que faria? Esperaria acontecer, ou daria um fim a si mesmo antes?
Bem, essa pergunta já foi respondida. Não?

Qual sua comida favorita?
Não estou em posição de escolher. O que vier é lucro. Mas gosto bastante de massas e carnes.

Quando e como começou a praticar parkour?
Treinei por algum tempo com alguns colegas, mas acabei optando por treinar sozinho.

Você passou tanto tempo sem conseguir fugir de Jaboticabal por não saber dirigir. Se arrepende disso agora? Por que nunca aprendeu?
Não me sinto à vontade dentro de um veículo. Aqueles pedais e setas e marchas são complicados demais. Prefiro contar com minhas pernas. É melhor ser cercado em cima de um muro do que dentro de um carro quebrado.

Já sentiu prazer em ver alguém sendo morto pelos infectados (ou simplesmente morto)?
Que pergunta é essa? Claro que não!

Como você se sentiu ao descobrir quem era o Homem da Máscara de Ferro?
(pausa) Ainda não consegui entender aquilo. Há tantas ideias em minha cabeça no momento, mas preciso colocá-las pra fora para tentar assimilar. Quero conversar com Daniela antes de formar uma opinião.

Você viu Ricardo sofrendo um ataque no banheiro da pensão em que se hospedaram quando chegaram em São Paulo, e na LAQUARTZ ele havia sido transformado. Daniela já sofreu o mesmo ataque. Acredita que acontecerá o mesmo com ela?
Espero muito que não.

Então você se importa com ela.
Claro! Não desejo seu mal. E... Que sorriso é esse? Cara, não estou apaixonado por ela, se é o que está sugerindo.

Em sua Fuga, quando pensou que fosse o fim da linha?
Na LAQUARTZ, quando encontrei... o homem com a máscara de ferro. Minhas esperanças desceram pelo ralo naquele instante. Não esperança de que a situação toda fosse se normalizar, mas esperança de que recuperaria minha sanidade novamente.

O que você acha de TWD?
O que é isso?

É uma série de TV baseada em uma coleção de quadrinhos sobre zumbis que está fazendo muito sucesso.
Pff, ficção. O que estou vivendo é realidade.

Você passou fome. Em algum momento pensou em se alimentar de animais, como cães ou gatos?
Olha, fome é algo que não dá para discutir com alguém que nunca sentiu. A fome começa antes da fome existir. Quando você vai dormir sem ter ideia de como se alimentará no dia seguinte... Isso é o pior. É uma dor lancinante na barriga, dor de cabeça, indisposição. Tudo junto, sabe? Já pensei em comer comida estragada, mas nunca animais. Não cheguei ao ponto de considerar fazê-lo.

No começo você se referia aos infectados como zumbis. Ainda pensa assim?
Eu era bem ligado a filmes de terror. A situação toda leva a acreditar que algo daquele tipo está acontecendo na vida real. É algo inconcebível! Sozinho em Jaboticabal, sem ter com quem conversar, acabei divagando demais. Era como se estivesse vivendo outra realidade, dentro de um pesadelo. Nos pesadelos tudo é possível, até mesmo zumbis.

O que é um zumbi para você?
Um boneco de ventríloquo com cordas vindo diretamente do inferno. Profundo, não? (risos forçados)

Qual a dica que você dá a alguém para sobreviver a uma pandemia zumbi?
Pratique parkour, não se envolva com pessoas, e evite contato direto com os infectados, zumbis ou o que o demônio enviar.

Como as pessoas podem te contatar?
'Cê tá de brincadeira, né?


Cara, preciso ir. E, por favor, não me siga. Não tenho tempo para bancar babá, ok? Boa sorte.

0 mordidas:

Postar um comentário