Capítulo 12 - LAQUARTZ


Olho ao redor e não vejo nada diferente. Os móveis em seus lugares, nada desarrumado. Descubro o causador do barulho que chamara minha atenção sobre a cama. O celular de minha mãe, vibrando. Pego- rápido e atendo.
- Alô? Mãe?

-Zzz... zzzzzzz... ZzZzzz... Ti... Zzzzzzz... dad... rem... zzzZzz...

É impossível entender qualquer coisa. Olho o número no visor assim que a ligação cai, mas é desconhecido. Tento retornar, mas dá ocupado. Tento duas vezes mais, em vão.

Lembro-me que tenho que tomar meu remédio e vou até o closet do quarto dos meus pais. Sob a bancada, pego a pequena maleta branca e sento-me na cama. Aperto a borrachinha ao redor do meu braço e, puxando uma das pontas com os dentes, aplico a injeção, injetando o líquido púrpura. Lembro que tomo essa medicação desde que me conheço por gente. Tinha uma doença rara que me deixava sem ar às vezes. Um tipo de asma, mas mais forte. Meu pai disse que me livrei da doença após tantos anos de cuidados, mas é bom evitar. Não custa nada continuar me cuidando. Nem dói mais. E nem me lembro das faltas de ar. Devo ter me curado quando ainda era pequeno. Enfim...

Ligo a TV pra saber o que está acontecendo, mas está fora do ar. No rádio é a mesma coisa. Tento a Internet mais uma vez, mas ainda pede a tal senha. Que diabos!

Na cozinha, preparo um macarrão instantâneo com queijo. Não sei cozinhar, mas na hora do aperto até que me viro bem. Pego o prato e me jogo no sofá, engolindo sem mastigar. O clima é urgente. Sinto que devo fazer tudo o mais rápido possível. Os gritos na rua vão cessando. Parece que não sobrou ninguém pra gritar. Terminando a refeição, deposito o prato no chão e deito. Comer sempre me dá sono. Em questão de minutos, adormeço.



♦ ♦ ♦



Quando acordo, levanto num pulo. Onde estou?

A sala não passa de um cubículo mínimo. A cama onde me encontro é de metal, com um colchão fino e branco como apoio. As barras de aço que formam a grade impedem que eu sequer pense em fugir. Há uma entrada de ar no teto, lacrada por uma placa de metal com pequenos orifícios.

Vou até a grade e olho ao redor. O local lembra uma sala de cirurgia, com uma mesa metálica no centro, cercada por objetos hospitalares. Forço a vista e enxergo sangue sobre ela. Ergo a camisola branca que estou vestindo mais uma vez. Lembro-me da mesma vestimenta quando estive na base na saída de minha cidade. Verifico dos pés a cabeça e certifico-me de que o sangue não é meu. Pelo menos não há nada em mim sangrando.

- Ei! – grito. Minha voz ecoa ao longe. – Alguém?

Mas que inferno! Onde estão todos? Onde estará Daniela?

Lembro-me do tiro disparado por Abigail assim que perdi a consciência. Algum daqueles soldados filhos da mãe deve ter me surpreendido por trás. Foi tudo tão rápido. Percebi que a velha não estava com medo. Ela nos levou exatamente onde queria. Já sabia que a seguiríamos. Caímos feito patinhos.

Virando-me, vou até a cama, mas ouço a porta da sala se abrir, e volto à grade. Um homem baixo e gordo, vestido de branco e usando com uma máscara, vai até a pequena prateleira ao lado da mesa de cirurgia e recolhe os instrumentos. Parece estar sozinho na sala.

- Ei, você! – chamo-o, segurando-me às barras.

Ele não faz a mínima menção de virar. Continua recolhendo as peças.

- Você é surdo ou o quê? – grito, já nervoso. – Me tira daqui!

O estranho continua em sua tarefa, ignorando-me.

- Seu maldito! – soco a grade, e nem sinto dor, devido à raiva. – Cadê a Daniela? Que lugar é esse? Responde!

Putz, como eu odeio ser ignorado! Nem ao menos me olhou, como se eu fosse invisível. Com o equipamento todo recolhido, ele deposita outros limpos no lugar e sai da sala. Logo em seguida, ela se abre novamente. Dra. Abigail entra sorrindo. Exatamente como da primeira vez em que a vi. O estranho colar dourado com a insígnia em forma de flauta pende em seu pescoço, contrastando com o branco do ambiente.

- Ora, então você já acordou, Tiago. Como está se sentindo?

Não consigo acreditar na frieza com que ela se dirige a mim. Trata-me como se estivesse ali de férias.

- Ora... – engasgo. – Como eu deveria me sentir estando preso em um lugar que nem sei qual é? Cadê a Daniela?

- Desculpe pelo método que usamos para lhe trazer aqui, mas não podíamos perder a chance. Você caiu do céu, garoto!

- Hã? – totalmente confuso, olho a senhora fazendo uma careta descontraída pra mim. Ela é louca? – Você é louca?

Ela ri com o comentário. Não sei se ela percebeu, mas não foi um elogio.

- Tiago, Tiago. Foi um milagre você chegar àquela base vivo. – ela fala enquanto anda pela sala, batendo o salto alto no piso branco, fazendo um barulho irritante. Mantém as mãos no bolso do jaleco. – Não acreditei quando vi quem era você. Ninguém acreditou. Quando você fugiu, quase perdi as esperanças. E eu disse quase.

E sorri novamente, dando uma piscadela.

- E quem sou eu? – pergunto, sem entender uma palavra do que ela diz.

- Mas que pergunta, garoto! Você é você! – e gargalha.

Meu Deus! Essa velha é pirada!

Um brilho em sua cintura me chama atenção. Um molho de chaves. Enquanto ela se aproxima, disfarço, mantendo a tensão.

- Onde está Daniela? E Ricardo? O quê você fez a eles?

- Esqueça-os. Você sim é importante. Eles são lixo! Não são especiais como você. – e se aproxima, sorrindo.

Como uma flecha, pego-a pelo pescoço e a puxo contra a grade.

- Sorria agora! – digo, com um olhar ameaçador.

E ela sorri. No mesmo instante, sinto uma picada no braço, soltando-a. A velha exibe a seringa que tirou do bolso com um líquido escuro. Sinto-o queimar minhas veias.

- Tiago, não sei se percebeu... – ela analisa a seringa enquanto se dirige à porta. – Mas você devia tomar mais cuidado comigo.

Piscando pra mim, e ainda sorrindo, sai da sala.

Agarro-me à grade e encosto a cabeça entre as barras, sentindo o sangue fervilhar cada vez mais. Essa mulher está sempre um passo à frente. É mais esperta do que aparenta. O pior é que ela aparenta ser muito inteligente.

Meus olhos lacrimejam por um instante, e começam a arder. Sinto minha cabeça girar. Olho ao redor e as paredes parecem estar deslizando. Ondulando. Forço a vista e tudo se multiplica. Cambaleio pela parede e caio de joelhos. Não demora muito até que eu não veja mais nada.



♦ ♦ ♦



O barulho de vidro quebrando me desperta. Já é noite.

Levanto do sofá, sorrateiro, e olho pelo canto da janela. O jardim está vazio. De repente, um vulto passa correndo nas sombras. E outro. Abaixado, vou até a cozinha, e pego o cutelo pendurado sobre a bancada de mármore escuro. Dirijo-me ao meu quarto, ouvindo grunhidos do lado de fora. Acendo a luz e abro minha mochila, jogada sobre a cama, pegando duas camisas, um par de coturnos e um bermudão jeans. Assim que fecho o zíper, saio, trancando a porta pelo lado de fora, ouvindo a janela do quarto ser arrebentada. De volta à cozinha, pego algumas frutas, os squeezes de água na geladeira, acendo a luz e sigo pelo corredor. Saindo pela porta dos fundos silencioso, ouço a vidraça da cozinha ser destruída. Sorrateiro, vou pelo jardim e começo a correr assim que ouço os passos atrás de mim. Viro derrapando no caminho de cascalho e me jogo contra o muro, batendo o pé e impulsionando-me pra cima, agarrando a borda. Subindo, olho pra baixo e vejo três estranhos envoltos pelas sombras guinchando e esticando as mãos em minha direção. Pulo e caio com precisão na calçada, olhando para os lados. É melhor eu ser rápido. Atravesso a rua correndo e subo o muro à frente, equilibrando-me sobre ele enquanto o percorro. Pulo adiante.



♦ ♦ ♦



Que grito foi esse?

Minha cabeça ainda lateja quando abro os olhos devagar, doloridos pela luz intensa logo acima. Parece um refletor. O metal frio da mesa de cirurgia contra minhas costas me faz ter um arrepio momentâneo. Forçando a vista, olho ao redor e vejo a cela onde estava quando desmaiei. A porta está entreaberta. Um barulho chama minha atenção do outro lado. Viro o pescoço e minha visão embaça um pouco, mas se ajusta em seguida, permitindo-me ver o estranho de jaleco branco de costas, mexendo em algo na pia. Não percebeu que eu acordei.

Ao lado da mesa há uma bandeja com instrumentos cirúrgicos. Pelo menos estão limpos, sinal de que não me cortaram. Ainda. Há duas seringas contendo líquidos de cores distintas, verde e roxo. Não faço idéia do que seja. E não pretendo esperar pra descobrir.

Sem fazer barulho, pego um bisturi e o escondo do lado da cintura, segurando-o firmemente, no exato momento que o indivíduo vira-se e vem até mim. Parece bem concentrado nas seringas, enquanto mistura outro líquido transparente com o roxo. Nem nota meus olhos curiosos observando-o. Quando o vejo direcionando a agulha em direção ao meu estômago, levanto num piscar, sem dar-lhe tempo pra pensar, agarrando por trás, mantendo o bisturi pressionado contra seu pescoço. Apenas levanta as mãos trêmulas lentamente, ainda segurando a seringa, mas desce com tudo em direção à minha barriga. Mais rápido, consigo desviar, dando-lhe um soco na cabeça, fazendo-o cair.

Ele ainda tenta alcançar a injeção caída perto dos meus pés, mas chuto seu rosto com toda força, fazendo-o girar e cair logo adiante, empoçando o chão branco com sangue. Certificando-me que está inconsciente, retiro sua calça e sapatos e os visto. A camisola que me veste não oferece muita proteção. Volto até a mesa e pego a seringa caída sob a mesma. Examino bem próximo, mas só vejo o líquido escuro e denso. O que será isso? Por que esse infeliz queria tanto injetá-lo em mim?

Guardando-a em um dos bolsos, me preparo pra tirar a blusa do homem, mas um grito chama minha atenção. O eco passeia pela sala alguns segundos mais, o suficiente pra eu reconhecer a voz. Daniela!

Só de calça e sapatos, vou até a porta e giro devagar a maçaneta. O extenso corredor se encontra vazio. Um ar frio se choca contra meu peito nu, fazendo-me estremecer. Com passos lentos e longos chego até a porta dupla no fim. Olhando pelo vidro, analiso a área, e demoro a perceber dois seguranças me olhando desconfiados. Quando os vejo é tarde, pois se dirigem em minha direção, rápidos. Sem pensar, recuo e volto por onde vim, correndo e virando do outro lado à esquerda. Por sorte ninguém aparece pelo caminho. Os dois que me perseguem já são o suficiente. Conseguindo despistá-los, entro em uma sala escura cheia de armários baixos de metal e vou até a última fileira, escondendo-me dentro de um deles. Poucos segundos depois ouço a porta da sala se abrir, seguida de passos firmes.

- Ele deve ter entrado aqui. Procure daquele lado que eu olho desse.

- Ok!

Portas metálicas começam a ser abertas e fechadas sucessivamente. Enquanto me procuram, vão lançando comentários ameaçadores. Preciso fugir daqui agora!

Abrindo lentamente a porta, vejo pela fresta o reflexo de um deles pelo armário em frente. Ele se encontra na fileira atrás de onde estou. Não é possível enxergar a localização do outro. Prendendo a respiração, me preparo pra abrir a porta assim que ele estiver perto, mas uma voz feminina os faz parar.

- Onde está ele? – grita ela. Abigail.

- Estamos procurando-o, Doutora. Deve ter entrado aqui e se escondido.

- Deve ter entrado? – zomba ela. – Tratem de encontrá-lo agora mesmo.

E bate a porta. Enquanto a dupla discute onde devem me procurar, tenho tempo suficiente de sair e ir ajoelhado até o outro lado, escondendo-me dentro de outro armário. Quando um deles sai, o outro volta onde estava e chega onde me serviu de esconderijo, indo até o final.

- Você não estava aqui, afinal.

Respiro controladamente e presto atenção nos passos se distanciando. Ouço a porta ser trancada. Essa passou perto.

Saio novamente do abrigo e olho ao redor. A única saída é a porta. Não há janelas. Apenas uma passagem de ar no canto direito da sala. Hora de improvisar novamente. Subindo na mesa, pego um recipiente de vidro sobre a mesma. Em seguida, retiro a grade da passagem sem dificuldade, impulsionando-me pra cima. Pouco antes de lacrar a entrada, atiro o recipiente no meio da sala, que se espatifa no chão, lançando cacos pra todos os lados. Ouço a porta abrir de novo enquanto vou me arrastando pelo duto.

Pra minha sorte o material é forte o suficiente pra agüentar meus setenta e cinco quilos. Aliás, nem sei se ainda peso isso, pois há tempos não me alimento direito. Além da alimentação, tenho estado sob estresse permanente, e quando estou assim, costumo emagrecer rápido. Não vejo a hora de poder sentar em uma mesa de novo e saborear um bom prato de comida, como qualquer pessoa normal. Como tenho saudade da comida da minha mãe. Não trocava por nenhum restaurante fino. Comida boa mesmo é arroz e feijão. Mas, pelo jeito que as coisas andam, não tenho muita esperança de minha mãe fazer meus pratos preferidos outra vez...

Adiante, chego em outra grade. Na sala abaixo, vejo um casal se trocando, vestindo jalecos brancos e depositando roupas pretas sobre a mesa. A mulher examina uma prancheta contendo uma folha toda escrita, com um foto anexada. Forço a vista e tento distinguir a imagem, mas não é nítida. Pode ser uma pessoa, um objeto ou uma paisagem. Nada que me interesse. Quando me viro, uma parte do duto amassa discretamente, fazendo um som abafado, suficiente pra chamar atenção da dupla. Eles olham pra cima na mesma hora, e eu permaneço imóvel. O homem volta ao armário, enquanto a mulher permanece focada em minha direção por longos segundos. Assim que ela pára de olhar, continuo a marcha.

A falta de uma camisa torna o ar mais frio. Sinto meus dentes tremerem. Passo por mais duas grades, tomando o máximo de cuidado pra não fazer nenhum barulho. Não teria tanta sorte como na anterior. Meus joelhos começam a doer, incomodando-me. É impossível sentar pra descansar e esticar as pernas devido ao espaço minúsculo. Dou graças a Deus por poder rastejar e usá-lo como um modo de fugir.

Em outra grade, qual não é minha surpresa quando avisto Daniela parada em frente a uma porta, olhando pelo vidro com as mãos em concha. Veste uma camisola idêntica à que eu usava quando acordei.

- Dani!

Ela se vira bruscamente com olhos assustados procurando quem a chamou. Sua aparência não é das melhores. As olheiras tornaram-na menos bonita. Os cabelos desgrenhados lhe dão um ar relaxado. Acredito que ela não esteja gostando nada da falta de tempo para se cuidar. Quando a conheci, exibia cabelos longos e bem penteados. Hoje, embora estejam bem mais curtos, estão também menos cuidados.

- Aqui em cima!

Passo meus dedos entre os vãos da grade, puxando-a. Quando ela me vê, um sorriso enorme toma conta de seu rosto. Preciso, pulo dentro da sala. Daniela me abraça forte. Retribuo por um segundo, mas me afasto.

- Você está bem?- pergunto, dirigindo-me até a porta, trancada.

- Se ter sido baleada no ombro, ter vindo parar nesse laboratório e quase ter levado outro tiro, dessa vez na cabeça, é estar bem, então estou. – responde ela. Parece querer ser engraçada, mas a situação não permite um mínimo sorriso.

- Onde estamos, Daniela?

- Provavelmente naquele lugar que vimos Abigail saindo de carro. Tiago, ela é doida! – dessa vez, ela parece mais séria.

- Disso não há dúvidas.

- Não, sério! Ela me deu um tiro no ombro, lá na estrada. Depois que chegamos aqui, me trancaram nessa sala. Logo depois, ela apareceu. Ela... Ela ia me matar! – Daniela balança as mãos enquanto me olha, abalada.

- Como assim?

- Ela entrou aqui e disse que eu não passava de lixo, que eu não era importante... Como você é! – e me olha de um modo curioso, que retribuo. – Então, tirou um revólver do bolso e apontou pra minha cabeça. Enquanto eu esperava o disparo, ela falava sobre Ricardo não ter compatibilidade, sobre só termos ela feito perder seu tempo, e que você era especial...

Nesse momento, enquanto olho pelo vidro na porta, ouço Daniela soluçar, caindo em prantos.

- Tiago, ela me torturou fazendo-me esperar o tiro... Ela se divertiu com o terror em meu rosto. A gente vai morrer aqui! – o choro é incontrolável.

- Calma! Ninguém vai morrer. A gente vai fugir daqui, prometo. – tento tranqüilizá-la sem parar de olhar pelo vidro. – Você disse que ela ia te matar. Por que não o fez?

- Porque apareceu um homem dizendo que você tinha escapado. – a garota se controla, enxugando as lágrimas. – Ela simplesmente guardou a arma no bolso e saiu.

- Então ela vai saber que vim até você e voltará!

- Precisamos sair daqui rápido! – grita Daniela, correndo até o outro lado, olhando pra cima. - É difícil andar por esse buraco?

- Não acho possível voltar por aí. Não tenho certeza se vai dar pro lado de fora desse lugar. Além do mais, ela saberia que entramos pelo duto, pois a porta está trancada. Seria mais fácil de nos acharem.

- Mas se ficarmos aqui vão nos achar de qualquer jeito!

- Acho que essa é a única saída!

Assim que termino a frase, avisto Abigail voltando. Faço sinal pra Daniela ficar parada onde está e encosto do lado da porta. Ela hesita por um instante, mas acredito que confie o bastante em mim, pois faz o combinado, encostada na parede. Ouço a porta ser destrancada, abrindo logo em seguida.

- Pelo visto você vai ficar mais um tempinho viva, garota. – diz a velha, cruzando os braços e batendo o salto no chão. – Vai servir de isca pra trazer seu amiguinho de volta.

- Não será necessário, Doutora. – falo isso já com o bisturi encostado em sua jugular, agarrando-a por trás.

- Ora, quantas surpresas, não? – não parece assustada.

É melhor tomar cuidado, pois quando a emboscamos também não parecia, e de fato não estava, já que tudo não passava de um plano pra nos pegar.

- Cadê o Ricardo? – pergunto, tentando passar um ar ameaçador.

- Por que você se arrisca tanto, Tiago? Por esses dois que não valem nada. Não vale a pena.

- Eu digo o que vale ou não pra mim. – e pressiono a navalha contra sua pele, mas não a corto. – Me leve até o Ricardo.

- E se eu disser que ele está morto?

- Então direi o mesmo de você. – e a pego pelos cabelos, ainda com o instrumento em seu pescoço. – Vamos!

Quando saímos da sala, há no mínimo uns dez seguranças apontando suas armas pra nós.

- Se alguém se mexer, essa velha já era! – ameaço, evitando gaguejar. Daniela se põe ao meu lado.

Enquanto guio Abigail segurando seus cabelos, os homens vão abrindo passagem, devagar, em meio a cochichos. Viramos o corredor.

- Tiago... – sinto-a tremer um breve segundo. – Se me soltar, prometo que o protegerei. Eu te conheço. Você não é um assassino.

- Posso me tornar agora, se quiser. – retruco. Ela é esperta. – Eu também te conheço, Doutora. E sei que é uma mentirosa. Cala essa boca e só nos leve até o Ricardo.

Ela ri. Mesmo por baixo, tem a petulância de zombar de mim. Se não fosse minha única opção em continuar vivo no momento, acredito que não hesitaria em degolá-la ali mesmo. Bom, acredito que teria coragem... Será?

Virando mais alguns corredores, chegamos a uma parede de vidro, onde posso ver Ricardo dentro de uma sala, abaixado, tremendo.

- Ricardo! – grita Daniela.

Ela corre até o outro lado, mas a porta encontra-se trancada.

- Sua última chance, rapaz! – sussurra Abigail. – Não faça algo que possa se arrepender depois.

- Prefiro arriscar. Abra a porta! – e a guio até a porta, onde ela retira o molho de chaves da cintura e a destranca. Daniela entra correndo e vai até o garoto, encolhido no canto.

- Idiota! – diz a Doutora.

Tudo acontece muito rápido.

Assim que Daniela põe a mão sobre o ombro de Ricardo, ele se vira num piscar e se joga contra ela, tentando mordê-la. Abismado com a cena, nem percebo a velha pegar uma caneta em seu bolso e cravar com tudo em minha coxa esquerda. A dor é tremenda, tirando de mim um grito que ecoa pelos corredores. Apesar da dor, viro o bisturi com tudo, que corta superficialmente seu rosto, espirrando sangue na parede. Tenho tempo de agarrá-la novamente pelos cabelos antes que ela possa fugir, e puxo-a com tudo, ouvindo o baque abafado de suas costas contra a parede. Soltando um gemido, ela só me olha brevemente, antes de bater com o molho de chaves contra meu rosto, acertando meu olho. Com a vista embaçada, vejo-a tentando trancar a porta da sala onde Daniela se desvencilha de um Ricardo totalmente fora de si. Com uma rasteira, a derrubo e vou pra cima dela, que é rápida o bastante pra bater com seu salto em cheio no ferimento em minha perna. Outro grito de dor preenche o local. Não posso deixá-la escapar, ou será nosso fim. Assim que ela se vira, levanto num pulo, aguentando a dor ao máximo, pego-a pelo cabelo novamente e, dessa vez, enfio com tudo sua cara contra o vidro. Deve ser reforçado, pois nem ao menos trinca. A pancada é forte o suficiente pra espirrar sangue ao redor, misturando-se com o sangue do corte em seu rosto. Em seguida, ela desmaia. A danada é resistente, afinal!

Empurrando a porta, vejo os dois engalfinhados.

- Tiago, tira ele de cima de mim!

Pegando-o pelos braços, o jogo contra a parede.

- O que deu nele? – grita Daniela, levantando-se, trêmula.

Quando Ricardo se levanta num pulo, berrando e vindo em nossa direção, não tenho mais dúvidas. Desviando, dou uma forte pancada em sua nuca, e ele cai desmaiado.

Eles o infectaram.

- Vamos sair daqui!

Olhando pelo vidro, vejo a sombra dos seguranças se aproximando, devagar. Rápido, vou até Abigail, e a pego pelos braços. Daniela entende e a pega pelas pernas. Quando eles despontam no corredor, empunhando suas armas, notam que Abigail se tornou nosso escudo. Se atirarem, a acertarão.

- Eles a mataram! – grita um deles.

- Ela ainda está viva. – grito, evitando uma saraivada de tiros. – Mas se alguém atirar, é exatamente isso que vai acontecer.

Escondo minha mão sobre o cabelo da velha. Deixei o bisturi cair quando ela me acertou no olho. Se perceberem que não estamos armados, é morte na certa.

- Tiago... – cochicha Daniela, pelo canto da boca. – Como vamos matá-la sem armas?

- Não faço idéia. – respondo, enquanto recuamos cautelosamente. – Não sei quebrar nem pescoço de galinha. Só tente não deixar que eles percebam isso.

Entre eles, um se abaixa e pega algo no chão, chamando atenção dos outros.

- Eles não estão armados!

Todos se voltam contra nós, alguns exibindo sorrisos maliciosos.

- Fudeu! – é tudo o que posso dizer.

Nesse momento, Ricardo sai correndo da sala e se joga contra eles, que se assustam. Mordendo o braço do mais próximo, o faz desequilibrar e cair sobre os demais. Mordendo o pescoço de outro que caiu de costas, leva uma cotovelada no rosto e cai sobre outro, mordendo sua orelha. Nesse meio tempo, o primeiro atacado tem tempo de perder o controle e morder um dos companheiros no olho, espirrando sangue sobre outro. Alguns começam a atirar contra os outros, e um ou dois conseguem fugir por onde vieram, enquanto o sangue se mistura aos gritos de terror que tomou conta da massa de seguranças descontrolados.

Petrificado pela imagem, sinto Daniela pegar meu braço e me puxar. Nem vi a hora em que jogamos Abigail no chão. Enquanto corremos, curiosos vão olhando pelas portas que vão de abrindo. Alguns voltam e se trancam, e outros apenas assistem a cena.

Um sinal começa a apitar pelo complexo, alto o bastante para que todos ouçam. É um alerta. Alerta de morte!

Correndo pelo labirinto de corredores brancos e frios, somos surpreendidos por dois estranhos, que nos cercam.

- Venham com a gente! – diz o homem.

Tem o cabelo grisalho e curto, estilo exército. Seus olhos são azuis-acinzentados e a pele bronzeada. Uma cicatriz discreta atravessa de cima a baixo sua sobrancelha esquerda. Aparenta estar na faixa dos quarenta, não pelo físico, bem malhado, mas pelo ar sério em sua postura.

Os reconheço. Era o casal que vi pela grade no duto de ventilação.

- Quem são vocês? – grita Daniela, defendendo-me atrás de mim.

- Confiem em nós! – fala a mulher.

Essa é mais nova, por volta dos trinta. Tem o cabelo longo e loiro preso em uma trança ondulada. Seus olhos são castanhos amendoados e levemente puxados, sobre bochechas rosadas de uma pele clara e lisa.

- E por que deveríamos? – pergunto, um tanto desconfiado.

- Vocês têm outra opção? – retruca ela, numa careta preocupada.

Olho-os nos olhos, tentando confiar, mas o homem nos apressa.

- Vamos! Eles estão vindo! – e corre pelo corredor ao lado.

Olhando pra trás, vejo os seguranças correndo por todos os lados, a maioria em nossa direção. São os mesmos que perseguiram há pouco.

- Vamos, garotos! – chama a mulher. É, realmente não temos outra opção.

Seguindo-a, chegamos em uma sala, onde ela encosta a porta.

- Pooh, temos que agilizar! – avisa ela.

O grandão revira algumas prateleiras do laboratório, guardando algumas amostras na mochila sob o jaleco.

- Calma, Lizzy! –responde ele, com uma voz rouca e forte. – Não tenho como saber qual é a amostra correta. Tenho que pegar o máximo possível!

Nesse instante, um baque contra a porta derruba a mulher. Daniela e eu nos entreolhamos, e corremos até a porta, segurando-a. Num breve momento, pude ver pela fresta um deles. Sedento por sangue.

- Dani, eles estão todos infectados!

- Como assim infectados? – pergunta a tal Lizzy, nos ajudando a manter a porta fechada.

- Moça, eu não sei nem onde estou, pra falar a verdade! – respondo, forçando a porta.

Há muitos deles lá fora. É melhor esse dois nos tirarem daqui, e rápido.

- Pronto! – avisa o grandalhão. – Espero que alguma dessas sirva.

Retirando o jaleco e jogando-o no chão, ele exibe uma mochila presa por tiras de couro em volta de seu torso sob uma camisa branca. Retirando um pequeno objeto de um dos bolsos, vai até a parede mais afastada, fixa-o nela e vem até nós, erguendo uma mesa de metal sem muita dificuldade, formando um escudo. Mas escudo pra quê?

- As coisas vão agitar um pouco por aqui! – avisa ele.

Não sei o que aconteceu, mas foi o suficiente pra me fazer cair sobre Daniela. A sala inteira tremeu, e destroços foram arremessados por todos os lados, formando uma fumaça de pó que tomou conta da sala. Ou o que sobrou dela.

Saindo detrás da mesa, avisto o enorme buraco que se formou na parede, dando passagem pro lado de fora. Já é noite.

- Vamos, garotos! – chama a mulher, que retira o jaleco, exibindo sua bela forma. Exibe uma pistola em sua cintura.

- Quem são vocês, pessoal? – pergunto, seguindo-os pelos escombros.

Nenhum deles se dá ao trabalho de responder, enquanto vagamos pelo corredor lateral, ouvindo os berros logo atrás.

- Qual o problema deles? – pergunta o homem, referindo-se aos gritos e grunhidos emitidos, que podemos ouvir vindo das poucas janelas por onde passamos.

- Eu já disse! Eles estão infectados! – respondo.

- O quê? – ele arregala os olhos. - Como assim?

Percorremos o corredor por alguns bons minutos, sem que ninguém fale uma palavra. O único som é o sinal que permanece ligado e o barulho deles lá dentro. Em determinados momentos, a mulher nos lança um olhar positivo, parecendo querer nos tranqüilizar. Mas é difícil confiar em alguém que acabamos de conhecer, ainda mais nessa situação.

Virando adiante, chegamos ao que parece ser os fundos do complexo, onde um jipe preto encontra-se estacionado.

- O que uma identidade falsa não nos ajuda, hein? – dispara o tal Pooh, pegando um crachá em seu bolso e jogando-o em um latão de lixo.

- Eu que o diga. – respondo baixo, lembrando dos dias em que passei com o RG falsificado. Dinheiro bem gasto, embora não faça idéia de onde ele esteja agora. Espero não precisar dele novamente.

Subindo no jipe, Daniela permanece calada, enquanto nos acomodamos na parte de trás. Pooh dá a partida, e Lizzy sobe logo após descolar um grande adesivo da lateral. Parecia ser o emblema da LAQUARTZ.

- Vamos tirar vocês daqui e explicaremos tudo no momento certo, ok? – diz a mulher, sorrindo.

Nem temos tempo de responder, pois três dos infectados aparecem dos corredores e se jogam contra o carro.

- Não deixe que eles mordam vocês! – grita Daniela.

- O quê? – pergunta Lizzy, sem olhar pra trás, sacando sua pistola.

- Confia nela, moça. – explico. – Não seja mordida.

- Eles não vão nem chegar perto de nós. – e dispara contra um deles, que cai sobre o mesmo latão de lixo onde passamos perto.

Os outros dois investem contra o veículo, enquanto Pooh dá a ré, ágil no volante. Cantando pneu, sai em disparada.

- Não era pra ser assim, Lizzy! – resmunga ele.

- Nem tudo é como queremos, querido. – responde ela, ainda olhando pra trás, vendo se nos seguem.

- Percebi, pois teremos que mudar a rota de fuga. E assim como foi lá dentro, saberão que estivemos aqui. E agora isso! – e pisa no acelerador.

Assim que viramos pelo estacionamento, é possível ver o portão de entrada.

- Mas que porra é essa? – pergunta Pooh, parando bruscamente.

No portão, aparentemente trancado, há um legião deles se debatendo contra as grades, tentando sair.

- Seria desestressante atropelar todos eles, mas vai me dar muito trabalho depois pra limpar esse jipe. – diz ele, buzinando.

- Não! – grita Daniela.

Eu apenas arregalo os olhos quando todos eles se viram e nos veem. A maioria exibe roupas ensanguentadas. Sinto o pesadelo recomeçar assim que eles berram e correm em nossa direção.

 
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22 mordidas:

Rafael Marchesin disse...

Cara, mas que fabuloso o seu blog!!
Encontrei ele numa das comunidades do Orkut, uma dessas de Terror.
Show de bola!!!
Ainda não tive tempo de ler, mas é claro, escreve tanto, é um livro aqui, mas, sem a menor dúvida, lerei toda a história!!
Parabéns!

18 de setembro de 2008 às 19:34
Anônimo disse...

Ta cada vez melhor!

19 de setembro de 2008 às 00:26
Unknown disse...

Cara eu li tudo, sahshuashashusahu
Sua historia Me deu inspiração pra começar a minha: "Acluofobia".

19 de setembro de 2008 às 04:19
Juão disse...

Eu leio e imagino a historia filmada! pqp o filme rola solto na minha cabeça^^
parabéns cara!

21 de setembro de 2008 às 02:37
Bodones disse...

realmente, eu tbm tento ver o acontecimento na cabeça. vejo fotos passanod na cabeça inquanto leio *-*

17 de fevereiro de 2009 às 23:58
Tayná Tavares disse...

Pooh? Ursinho Pooh? HAUHAUHAUAHUAHUAH Quero saber o porque desse apelido.. XD

Mataram o Ricardo.. eu gostava dele...

18 de fevereiro de 2009 às 06:55
Anônimo disse...

Eu tambem imagino as imagem na minha cabeça, a sonoplastia e a voz dos personagens.
Muito Loko.

20 de fevereiro de 2009 às 00:00
Luan disse...

Pô,mataram o Rick,tbm gostava dele...

enfim,daria um bom longa ^^

18 de maio de 2009 às 06:45
Pedro disse...

Tambem gostava do Japa, mas sabia que alguem ia morrer. O mais "descartavel" era ele mesmo.
Pooh é cool!

Parabéns brother!

22 de junho de 2009 às 22:44
Luiz Paulo disse...

cara, muito fera sua estória!! Parabéns!! Vc tem talento bicho

Foi foda a morte do Rick mesmo, mas pelo menos, mesmo como infectado, ele conseguiu "ajudar" nossos protagonistas ^^

To curioso pra saber como vai se desenrolar a estória, vamo lê!! hehee

15 de julho de 2009 às 00:50
ErickTavarez disse...

Só falta esse Pooh gostar de mel.
Tá boa a história, será que o Thiago é a cura?

15 de julho de 2009 às 15:46
Silas disse...

Meio sem noção isso de o cara ser especial: tira a onde de survival horror e dá um ar de resident evil.

E a segurança desse lugar é uma merda. Em primeiro lugar ele deveria estara amarrado na maca, além de estar dopado. Não sendo assim, deveriam deixar segurança perto, ja que ele era tão importante.

Apesar de ele estar com a perna machucada, não reclama seque uma vez quando foge (provavelmente correndo) dos zumbis.

Tava gostando mais do começo: muita confusão e zumbis, survival horror mesmo. Vamos ver o resto. Espero que esse impulso de auto-afirmação não detone com a estória...

17 de setembro de 2009 às 04:38
100% RBD disse...

Ah história tah ficando cada ves melhor , num gostei de terem matado o Ricardo , coitado dele :'(!
Ah história tah meio que parecida com o filme Resident Evil , quando eles capturam a Alice e fazem experiências com ela , acho que foi feito a msm coisa com o Tiago , ainda bem que com o Ricardo e a Dani não viraram um nemesis da vida [a experiência que num deu certo , mas no filme só e não no jogo]!
Torcendo pelo tiago e a Dani

4 de março de 2010 às 23:00
Cami disse...

Velho, até aqui tá muito maaaassa, comecei a ler de noite e amanheci, ahahha. o REVIL fez uma propaganda do blogger, muito foda!

5 de março de 2010 às 09:15
~Lobo disse...

Fudeu tudo de novo

7 de março de 2010 às 15:12
Anônimo disse...

Achei seu blog no orkut e nem trabalhar consigo. Já to no capítulo 13. Muito legal a história. Merece virar um livro. Parabéns.
Elaine

16 de março de 2010 às 18:35
Anônimo disse...

Silas tá se achando escreve história melhor então!
O Toy eh massa!

22 de abril de 2010 às 16:56
LucaZ disse...

Por que tinha que morrer em Ricardo ele era otaku >.<

8 de outubro de 2010 às 16:38
Anônimo disse...

Quando eu descobri esse blog, pelo orkut, ele ainda tava no capítulo 16! E isso foi á um ano! Eu li ele até onde falo que iam lançar o livro oficial! Entrou hoje estou relendo! Isto me serviu de ispiração pra minha história, a "Terra Sombria", se vocês não acharem, procurem pelo usuário Splatfest...

18 de dezembro de 2010 às 18:55
Tiago Toy disse...

Sejam bem-vindos novos infectados, e aos antigos, espero que continuem sobrevivendo.

Grande abraço!

6 de julho de 2012 às 23:49
Dragon disse...

cara vc escreve muito nao consigo para de ler parabens

31 de outubro de 2012 às 02:14
Tiago Toy disse...

Que legal que gostou, Jimmy =)
Valeu!

Curte a página do livro no Face que lá sempre tem novidades: http://www.facebook.com/terramortaoficial

Abração!
\o

31 de outubro de 2012 às 16:25

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