[Terra Morta RPG] Capítulo 7 - Marissa



Abriu os olhos e encarou o teto. Não sabia dizer há quanto tempo estava trancada em casa. A comida se tornara escassa há alguns dias, mas suas excursões pelas casas na vizinhança mostraram resultado, embora sempre voltasse para seu único refugio. Já não aguentava mais, porém, permanecer ali. Devia haver outros sobreviventes, assim como ela, e estava disposta a encontra-los.

            Podia ouvir a chuva, agora mais fraca, do lado de fora.
            Relutante quanto à se levantar, permaneceu deitada sob as cobertas por mais um tempo, enquanto pensava em seu plano de fuga. Aquela parte da cidade parecia vazia, e raramente via os zumbis rondando a vizinhança. Seria ela a única tola o suficiente para permanecer ali enquanto todos os outros tinham partido? Não, não uma tola, ou não estaria viva, luxo do qual poucos compartilharam.
            Conseguia se lembrar nitidamente dos primeiros ataques, o tumulto dos que ainda restavam vivos e o anseio por sobreviver independente de qualquer custo. O caos e a desordem foram, porém, a ruina de muitos.
            Com um suspiro, Marissa se levantou. Seguiu até a janela e espiou o lado de fora. Como esperado, não viu nem sinal de qualquer um deles. Sem perder tempo, apanhou sua mochila sobre a cama e a encheu com todos os mantimentos dos quais ainda dispunha. Prendeu a faca junto ao suspensório improvisado do lado direito do corpo, e só então resolveu sair.

            O vento frio parecia ignorar a proteção de suas roupas, deslizando por sua pele e forçando arrepios incômodos. Abraçou o próprio corpo enquanto caminhava, atenta a qualquer sinal de companhia indesejada.
            A chuva, após horas a fio, havia enfim parado. Mas o céu permanecia escuro, carregado de nuvens que ameaçavam uma segunda dose d’água a qualquer momento. Então apressou o passo.
            Virou a esquina, focada em encontrar algum supermercado ou algo do tipo, apenas para que pudesse suprir os mantimentos que lhe faltavam, então seguiria adiante. Sabe-se lá para onde, disse para si mesma.
            Então viu o primeiro deles. Acompanhado de uma garotinha, o zumbi vagava em meio aos destroços do que mais parecia um cemitério de carros carbonizados, chocados uns contra os outros de forma aleatória no decorrer da rua.
            – Droga! – sussurrou para si mesma, agachando-se para que não fosse vista.
            Apanhou a faca e manteve-se alerta enquanto avançava usando, como camuflagem, o que restara dos carros espalhados pelo caminho. Podia ouvir os gemidos abafados que emitiam a cada passo, a respiração forçada e desgastante.
            Não demorou para que visse mais três no decorrer da rua.
            Não conseguiria passar despercebida. Se fosse vista por um único dos miseráveis, estaria perdida. Marissa parou onde estava, tentando manter a calma, enquanto olhava ao redor em busca de qualquer rota de fuga alternativa.
            O portão da casa ao lado, aberto, parecia ser sua única opção. Correu para lá, cautelosa para que não fizesse qualquer barulho desnecessário. Se tivesse sorte, poderia alcançar a rua de trás através daquela residência. Atravessou o jardim rapidamente, para então abrir a porta e entrar, espiando por sobre o ombro apenas para se certificar de não estar sendo seguida.
            Estava bastante escuro, lá dentro, o que a forçou a ligar a lanterna. Viu-se diante de um longo corredor, pelo qual ingressou com cuidado, apurando os ouvidos para qualquer barulho suspeito. Até ser acometida pela sensação de estar sendo observada. Virou a lanterna em todas as direções. Nada.
            Retrocedeu alguns passos, devagar, refazendo o caminho pelo qual havia entrado. Então ouviu o urro, alguns metros à sua frente, perdido na penumbra. Apontou a lanterna, mas o que viu a fez soltar rapidamente, concedendo-lhe um rápido vislumbre do que estava prestes a enfrentar; era alto e esguio, nu, de pele tão pálida quanto nenhuma outra que lembrava já ter visto. Seus olhos jaziam cobertos por uma camada leitosa e esbranquiçada, sublinhadas mediante as bolhas e chagas purulentas que tomavam conta de todo o rosto da coisa.
            Marissa se virou no momento em que voltou a mergulhar nas sombras, sem hesitar, e correu para a saída, acompanhada dos urros estridentes que vinham logo atrás de si. Atravessou o jardim tão depressa quanto tinha feito para entrar, lembrando-se tarde demais dos zumbis espalhados no decorrer da rua.
            Entretanto, não avistou nenhum deles quando desbocou portão afora, correndo sem olhar para trás num único instante sequer. Podia ouvir os passos rápidos e leves de seu perseguidor, disposto a alcança-la a qualquer custo.
Os carros postavam-se à sua frente como um interminável labirinto, forçando-a a correr de um lado para o outro na tentativa vã de seguir em frente antes que fosse alcançada. Então, uma ideia lhe surgiu de súbito; abriu a porta do primeiro carro em boas condições que encontrou e, sem pensar duas vezes, se trancou lá dentro.
Marissa manteve-se abaixada, em silêncio, até ouvir a aproximação de seu inimigo. Não parecia ter visto para onde ela havia ido, então arriscou uma espiadela. Parado ao lado do carro em que se escondia, o monstro olhava em todas as direções e em nenhuma, farejando o ar em busca de qualquer sinal de sua presa.
Então, quando menos esperava, ele voltou a caminhar, dessa vez para longe dali. Ciente de que havia escapado, Marissa relaxou um pouco a tensão, até ouvir sua faca se chocar contra o freio de mão, rolando para perto de seus pés e quebrando todo o silêncio estagnado ali.
– Merda, merda, merda! – praguejou em silêncio.
Com cautela, levantou os olhos em direção ao vidro, parando de cofre ao ver-se observada do lado de fora. A bocarra de dentes podres e ensanguentados se chocando uma contra a coutra, acompanhada do par de olhos esbranquiçados que encaravam o interior do veículo. Então veio o primeiro murro, e depois o segundo, o terceiro, até que seus braços se transformaram em verdadeiros martelos de carne morta, chocando-se contra o vidro na tentativa de quebra-lo para que pudesse chegar até Marissa.
A mesma, tentando conter o grito de medo e repulsa sufocado na garganta, encarou o inimigo uma ultima vez antes de se virar para sair pela outra porta. Ouviu o vidro ceder no momento em que deixou o carro, mas não parou para olhar para trás.
Apenas continuou em frente, correndo tão rápido quanto suas pernas lhe permitiam.



O texto acima não tem qualquer vínculo com a história original de Terra Morta e nem foi escrito por Tiago Toy. É uma adaptação do RPG mestrado no Orkut por Luan Matheus, escrita pelo próprio.

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